Bíblia aberta em púlpito de uma igreja vazia (Foto: Getty Immages)
Dezenas de pastores da igreja evangélica Assembleia de Deus,
alguns deles presidentes da denominação em cidades do Paraná, de Mato Grosso e
do Ceará, e pelo menos 14 padres católicos morreram nos últimos meses por
complicações da Covid-19.
A Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil (CGADB),
maior organização de igrejas evangélicas, com mais de 100 mil pastores
associados e cerca de 25 milhões de fiéis, não informou um número exato de
mortes, mas disse que entre as dezenas de líderes mortos estão pessoas de
idades variadas.
No campo católico, um relatório publicado pela Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) no fim de maio divulgou que 117 padres
haviam sido infectados pelo novo coronavírus.
As mortes provocaram impacto nas comunidades religiosas, que
adotam estratégias diferentes para a retomada de atividades presenciais. O
Ministério da Saúde não definiu orientações específicas para serviços
religiosos presenciais, embora eles aconteçam hoje em diversas partes do país.
Os templos são geralmente ambientes fechados, o que exige
atenção maior às orientações sanitárias para minimizar os riscos de transmissão
do novo coronavírus, que pode ser transportado pelo ar em partículas muito
pequenas de saliva (aerossóis) liberados quando as pessoas espirram, tossem,
falam e respiram.
Segundo especialistas, cantar –uma prática comum nos
encontros religiosos– também produz essas partículas.
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) incluiu igrejas no
rol de serviços essenciais em março, abrindo margem para a abertura dos templos
–mas eles ainda precisam seguir regras de governos estaduais e prefeituras
nesse quesito.
No início de junho, ao sancionar a lei do uso de máscaras em
espaços públicos, Bolsonaro retirou a obrigação da proteção em igrejas.
A morte do pastor Sebastião Rodrigues de Souza aos 89 anos
causou comoção entre os fiéis. Souza, que faleceu no dia 8 de junho, era
presidente das Assembleias de Deus em Mato Grosso e vice-presidente da CGADB
desde 1995.
O filho de Souza, Rubens Siro, também pastor em Mato Grosso,
havia falecido com a doença aos 68 anos cinco dias antes. Em Cuiabá, as igrejas
têm permissão para abrir desde o fim de abril. Souza era conhecido por ter
construído em Cuiabá um dos maiores templos evangélicos do país, com capacidade
para mais de 20 mil pessoas.
Segundo nota da prefeitura de Cuiabá, o enterro do religioso
atraiu milhares de pessoas ao cemitério Parque Bom Jesus. Uma equipe de
fiscalização foi enviada ao local e usou sistema de som para que as pessoas
mantivessem distanciamento entre si.
Bolsonaro publicou uma nota de pesar pela morte de Souza,
mas sem citar a Covid-19. Foi uma das raras vezes em que o mandatário lamentou
publicamente uma morte causada pela doença. O Ministério da Saúde não tem
orientações específicas para igrejas, apenas orientando para um reforço na
higiene pessoal e de ambientes e na etiqueta respiratória. “As ações devem ser
tomadas de acordo com as necessidades de cada região, levando em conta
parâmetros como quantidade de leitos ocupados, quantidade de casos e óbitos,
quantidade de profissionais, insumos e equipamentos de proteção individual
(EPIs), além de avaliar a dinâmica socioeconômica e cultura de cada
localidade”, disse em nota.
Na prática, cada instituição religiosa pode, tendo as regras
estabelecidas pela administração local como base, escolher ser mais ou menos
cautelosa ou até permanecer fechada.
Em junho, a CNBB enviou aos bispos um documento com
orientações para o retorno às atividades presenciais. O documento pede uso de
máscaras e que os fiéis não se cumprimentem com apertos de mão, por exemplo. A
água benta deve ser retirada da entrada das igrejas.
Entre os evangélicos as estratégias podem divergir bastante.
O grupo religioso não conta com uma única liderança e está divido em centenas
de convenções (agrupamentos de igrejas) independentes entre si.
Em nota, a CGADB diz que as igrejas afiliadas devem
respeitar o distanciamento entre as pessoas e que o uso de máscara é
obrigatório. “A orientação é que todos cuidados necessários para evitar a
propagação da doença sejam tomados por todos, ficando em casa, usando máscara e
outros aparatos que evitem a circulação do vírus”, afirma a instituição.
Desde o início da pandemia, o pastor Silas Malafaia, líder
da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, que não faz parte da CGADB, se
posicionou contra o fechamento de igrejas. Em um vídeo publicado em seu canal
do YouTube em 19 de março, o pastor pede que as pessoas não tenham medo e não
repassem por redes sociais “coisas ruins sobre o coronavírus”.
Para Ronaldo de Almeida, antropólogo da Unicamp e
pesquisador do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), o discurso
de Malafaia segue a posição de Bolsonaro, mas não reflete a totalidade dos
evangélicos. “O jogo político englobou e orientou esse debate”, diz. “A meu
ver, a maioria dos evangélicos não caiu na linha do Malafaia e aderiu às
medidas de distanciamento, ainda que com alguma confusão. Bolsonaro produziu
uma sociedade muito confusa”, afirma. “A igreja evangélica é multifacetada. A
maioria apoiou o presidente no início, quando ele tratou a pandemia como uma
questão de menor importância, até que as mortes começaram a aparecer”, diz o
pastor Ariovaldo Ramos, da Comunidade Cristã Renovada, de São Paulo.
Ramos tem conduzido os cultos de casa, pela internet. “Ser
pastor nesse período tem sido um desafio hercúleo. Há muitos colegas que
insistem em antecipar a volta dos cultos presenciais, mas faço parte do grupo
que resiste, que sabe que a melhor forma de proteção é o isolamento social”,
afirma o líder.
Pedidos de que os fiéis tenham coragem para enfrentar a
pandemia, como os feitos por Malafaia, carregam o triunfalismo, presente em
diversos ramos do pentecostalismo e do neopentecostalismo. A teoria, que tem
origem na teologia da prosperidade, prega que os cristãos não devem aceitar
infortúnios.
O pastor Ramos considera a abordagem perigosa. “É uma
posição muito preocupante, e não é cristã. Ela causa a impressão de que o fiel
está protegido, mas os demais seres humanos não. Alguns podem usar isso
chamando para os cultos presenciais, como um desafio de fé: se você tem fé,
deve ir ao culto; se você não vai, então é desprovido de fé”, diz.
O pastor Sócrates de Oliveira de Souza, diretor-executivo da
Convenção Batista Brasileira (CBB), conta que ficou 36 dias internado com a
Covid-19 –14 deles em respiração mecânica na UTI.
Segundo o pastor, a CBB recomenda que as cerca de 13 mil
igrejas afiliadas espalhadas pelo Brasil sigam as recomendações das autoridades
locais irrestritamente. Onde cultos presenciais estão liberados, é recomendado
que aconteçam com presença reduzida de fiéis e sem pessoas dos grupos de risco.
A Congregação Cristã no Brasil, uma das igrejas pentecostais
mais antigas do país, suspendeu todos os cultos presenciais ainda em abril até
nova decisão.
A igreja Hillsong de São Paulo, que recebe milhares de
frequentadores aos fins de semana, suspendeu as cinco reuniões que realizava
todos os domingos.
As duas igrejas, ramos bastante distintos do
pentecostalismo, adotaram os cultos online. “Ambientes fechados têm menor
ventilação e menor troca de ar. Assim, há maior acúmulo de partículas no
ambiente. Quanto mais alto falamos ou cantamos, expelimos mais dessas
partículas, que também podem chegar a uma distância maior”, explica Rosana
Richtmann, infectologista do Instituto Emílio Ribas.
Cultos evangélicos, principalmente pentecostais e
neopentecostais, são repletos de música e momentos de emoção, com choro e
orações em voz alta. Protocolos específicos para adaptar as diversas liturgias
ao contexto da pandemia poderiam ser úteis no combate ao novo coronavírus
dentro das igrejas.
Segundo a médica, templos abertos e ventilados,
distanciamento entre as pessoas, higienização constante de objetos de uso
compartilhado e reuniões com tempo de duração menor ajudam a minimizar os
riscos.
*Com informações da Folhapress e Amazonas Atual