© Twitter/@MERiAM_AL3TEEBE Mariam al-Otaibi foi detida por 100 dias depois que fugiu da casa do pai
(Arábia) A Arábia Saudita foi aplaudida internacionalmente no ano passado quando suspendeu uma lei que proibia as mulheres de dirigir. Mas as restrições impostas às mulheres permanecem – principalmente sob o “sistema de tutela masculina”, em que o pai, irmão, marido ou filho têm autoridade para tomar decisões importantes em nome delas.
Esse controle ficou evidente no início de janeiro, quando uma jovem saudita que fugia da família se trancou no quarto de um hotel em Bangcoc, na Tailândia, e se recusou a ser deportada, alegando temer pela sua vida caso voltasse para casa.
A mulher saudita precisa obter aprovação de um parente do sexo masculino para solicitar passaporte, viajar para fora do país, estudar no exterior com uma bolsa do governo, se casar, deixar a prisão ou até mesmo sair de um abrigo para vítimas de abuso.
“Isso é algo que afeta todas as mulheres e meninas sauditas, desde o nascimento até a morte. Elas são tratadas essencialmente como menores”, disse à BBC a jornalista egípcia-americana Mona Eltahawy.
A Arábia Saudita ratificou a Convenção das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres em 2000 e afirmou que a igualdade de gênero é garantida de acordo com a lei islâmica, a sharia. O reino conservador também liberou a prática de esportes para meninas em escolas públicas e permitiu que mulheres assistissem a jogos de futebol nos estádios.
No entanto, especialistas da ONU manifestaram preocupação em fevereiro de 2018 com a incapacidade do país de adotar uma lei específica proibindo a discriminação contra as mulheres, assim como a falta de uma definição legal da discriminação contra as mulheres.
O sistema de tutela masculina, segundo os especialistas, é “o principal obstáculo à participação das mulheres na sociedade e na economia”.
Questão religiosa
O sistema é considerado uma derivação da interpretação religiosa saudita de um verso do Alcorão que diz: “Os homens são os protetores e provedores das mulheres, porque Deus deu a uns mais [força] do que a outros, e porque eles as sustentam com seus recursos”.
A ONG de defesa dos direitos humanos Human Rights Watch informou em 2016 que o reino “claramente e diretamente impõe a necessidade de tutela em certas áreas”, e várias mulheres que desafiaram o sistema foram alvos de processo e detenção.
Em 2008, a ativista de direitos humanos Samar Badawi, que diz ter sido abusada fisicamente pelo próprio pai, fugiu da casa da família e encontrou refúgio em um abrigo. Ela deu início então a um procedimento legal para retirar a tutela do pai.
Em retaliação, ela conta que o pai apresentou uma queixa de “desobediência” contra ela. Um juiz ordenou sua prisão em 2010, e ela passou sete meses detida até que ativistas chamaram a atenção para seu caso e as autoridades retiraram a acusação
Mariam al-Otaibi, outra ativista, passou três meses na prisão em 2017 depois que o pai a acusou de “desobediência”. Ela havia fugido de casa após ter sofrido abusos do pai e do irmão em represália por liderar campanhas em redes sociais contra o sistema de tutela. Sua libertação da prisão foi comemorada como uma vitória por outras ativistas porque aconteceu sem um tutor do sexo masculino.
Batalha por igualdade
Mesmo mulheres que fugiram para o exterior não conseguiram evitar a detenção. Em 2017, Dina Ali Lasloom tentou fugir de um casamento forçado, mas foi levada contra sua vontade de volta à Arábia Saudita quando fazia conexão nas Filipinas com destino à Austrália.
A organização Human Rights Watch afirmou que recebeu informações de que Lasloom foi detida em um abrigo. Não está claro se ela já foi devolvida à família. Ativistas que lutam pelos direitos das mulheres pedem há muito tempo o fim do sistema de tutela.
Em setembro de 2016, eles entregaram uma petição com 14 mil assinaturas à Corte Real, depois que a campanha “As mulheres sauditas querem abolir o sistema de tutela” se tornou viral no Twitter. O grão-mufti da Arábia Saudita, Abdulaziz Al-Sheikh, descreveu a petição como um “crime contra a religião do Islã e uma ameaça existencial à sociedade saudita”, mas cinco meses depois o rei Salman baixou um decreto permitindo que as mulheres tivessem acesso a serviços públicos sem precisar obter aprovação de um tutor do sexo masculino.
E em setembro de 2017, o rei anunciou que as mulheres seriam autorizadas a dirigir pela primeira vez. Ativistas comemoraram a notícia, mas também prometeram intensificar a campanha pela igualdade de gênero.
Já em maio de 2018 – apenas algumas semanas antes do decreto que autorizava mulheres ao volante entrar em vigor – as autoridades sauditas iniciaram uma aparente repressão ao movimento dos direitos das mulheres com a detenção de dezenas de ativistas, incluindo Samar Badawi. Homens que haviam apoiado a causa também foram presos.
Várias pessoas detidas foram acusadas de crimes graves, incluindo “contatos suspeitos com estrangeiros”, o que poderia acarretar longos períodos atrás das grades. Ao mesmo tempo, os meios de comunicação alinhados com o governo os classificaram como “traidores”.
*Com informações da Agencia France Press (AFP)