O que realmente está em jogo?
Por Cris Beloni
O Brasil assinou um acordo com os EUA, conhecido por “salvaguardas tecnológicas” que vai permitir o uso comercial do Centro de Lançamento de Alcântara. O acordo fechado em 18 de março, teve como signatários os dois brasileiros, ministro Ernesto Araújo (Relações Exteriores) e ministro Marcos Pontes (Ciência e Tecnologia).
Segundo estimativas do Ministério da Defesa, o Brasil poderá faturar até 10 bilhões de dólares por ano, alugando a base para lançamento de satélites. O acordo ainda aguarda aprovação do Congresso Nacional.
Sobre o acordo
Segundo a Folha de S. Paulo, o tratado não entrará em vigor tão breve e poderá levar em média quatro anos da assinatura até a promulgação. Há décadas que esse tipo de negociação vem sendo cogitada, mas não acontecia por conta das acusações de ameaça à soberania nacional.
Antes, o texto previa espaços de acesso restrito aos americanos, entrada de contêineres lacrados que não sofreriam inspeção e também proibia que determinados países lançassem foguetes do Brasil.
A linguagem do tratado atual feita entre o presidente Jair Bolsonaro e Donald Trump parece ser diferente, com menos “intromissão americana”. Segundo Pontes, a soberania brasileira não será afetada.
“Imagina que você trouxe alguma tecnologia para dentro do seu quarto (de hotel) que, logicamente você controla. Você tem a chave do quarto, mas eu, como dono do hotel, posso entrar a hora que precisar. É algo mais ou menos nesse estilo”, explicou.
O Ministério da Ciência e Tecnologia disse que é importante também assinar acordos com outros países, como o Japão e a Índia, para que o uso da base não fique limitado aos EUA. Ainda não há previsão para que isso aconteça.
Vantagens
O acordo agradou a ala militar porque deve expandir a cooperação entre as forças dos dois países. Ao se tornar grande aliado extra-Otan dos EUA, o Brasil terá acesso preferencial à compra de equipamentos militares americanos, com isenções dentro da Lei de Exportação de Armas.
Além disso, terá prioridade para receber de graça ou a preço de custo “artigos de defesa em excesso”, equipamentos que não são mais utilizados pela Defesa americana ou em estoque excessivo e também terá maior facilidade na compra de tecnologia espacial.
Carlos Gurgel, professor do departamento de engenharia mecânica da UnB (Universidade de Brasília) e ex-diretor de satélites da AEB (Agência Espacial Brasileira) acredita que mais importante que o lucro da atividade espacial, seja a necessidade de se formar uma “economia espacial brasileira”. Para ele, o acordo abre espaço para o desenvolvimento de mais tecnologia e inovação nessa área.
Sobre a base de Alcântara
Construído em 1983, o Centro de Lançamento de Alcântara, no Maranhão, é mundialmente conhecido por sua localização privilegiada, próxima da linha do Equador, o que permite uma economia aproximada de 30% no combustível necessário para esse tipo de operação.
Sendo uma das melhores zonas de lançamento do mundo, Alcântara foi pouco explorada até agora, já que o Brasil nunca conseguiu colocar satélites em órbita, além disso, havia uma limitação para o uso da base por outros países. O Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST), no entanto, vai permitir que os EUA lancem seus satélites com fins pacíficos.
Impacto sobre as comunidades locais
Há uma questão delicada que envolve aquela região, que foi ocupada no período colonial por produtores de cana de açúcar e algodão. Seus moradores conhecidos por quilombolas já foram removidos de suas terras na época da construção da base de Alcântara.
No total, 312 famílias de 24 povoados que viviam da pesca foram removidos da costa para viver no interior, em agrovilas. Essas pessoas tiveram seu modo de vida totalmente modificado. Possivelmente, haverá novas remoções quando houver necessidade de ampliação do uso do centro de lançamento.
Segundo Danilo da Conceição Serejo, representante do Movimento dos Atingidos pela Base Espacial de Alcântara (MABE), ainda não há comunicado formal sobre a intenção do governo em expandir o centro, mas ele adiantou que nenhuma família foi indenizada na primeira remoção.
Por esse motivo, as comunidades acompanham com apreensão a retomada das negociações com os EUA, já que anteriormente houve uma desestruturação cultural e social das famílias removidas. Além disso, os maranhenses viram mais impactos negativos do que positivos desde a chegada da base.