Londres – Enquanto jornalistas, profissionais de comunicação e ativistas buscam formas de convencer a sociedade sobre os riscos das mudanças climáticas, cientistas da Universidade de Chicago criaram há sete décadas o mais eloquente sinal de alerta para os perigos enfrentados pelo planeta: o relógio do juízo final (Doomsday Clock), que foi “atualizado” nesta quinta-feira (20/1).
Segundo autores do Bulletin of the Atomic Scientists, os ponteiros permanecem em 2022 a 100 segundos da meia-noite – o mais próximo que já esteve do apocalipse e do risco de extinção da espécie humana.
Em 2020, o relógio havia sido ajustado para o mesmo horário, adiantando 120 segundos em relação ao ano anterior. Pelo segundo ano consecutivo, a organização determinou que não houve progresso suficiente para distanciar a contagem do final apocalíptico (representado pelo soar da meia-noite).
Relógio do Juízo final: metáfora para explicar a crise
O Relógio do Juízo Final (Doomsday Clock) é uma eficiente metáfora que permite compreender, na forma de uma imagem simples, o quanto a humanidade está perto da autodestruição devido às armas nucleares e às mudanças climáticas.
Parece coisa moderna, do tempo de redes sociais, fácil de compartilhar e com um toque dramático, no melhor estilo clickbait. Poderia ter sido criado por um time de especialistas em marketing digital.
Mas não foi assim. A ideia começou há longínquos 77 anos, dentro de um laboratório de cientistas – aqueles que muita gente acha que não têm tanta habilidade para se comunicar com a sociedade.
Os fundadores integravam o Projeto Manhattan, da Universidade de Chicago, e ajudaram a construir a bomba atômica.
Mas resolveram protestar contra o uso da bomba para dizimar pessoas, criando o Bulletin of the Atomic Scientists. Trata-se de um relatório analítico que anualmente determina o tempo que falta para o apocalipse do planeta, com base em estudos científicos e na análise da conjuntura geopolítica.
Campanha de divulgação cientifica poderosa
O uso do relógio para representar a ideia é uma das melhores campanhas de divulgação científica da história. Ele simplifica ao máximo assuntos complexos que nem todos compreenderiam.
Em 1947, o relógio ganhou a imagem atual, pelas mãos da artista plástica Martyl Landgsdorf. O desenho ilustrou a capa do relatório daquele ano. Seu marido foi um dos fundadores do Bulletin.
Landgsdorf tem obras de arte em museus. Esta foi a única capa que desenhou, e foi com ela que ficou imortalizada.
O Doomsday Clock foi incorporado pela cultura pop, aparecendo em filmes como Dr. Strangelove e em canções de bandas como The Who e The Clash.
Neste vídeo, os responsáveis pela atualização da contagem revelam o horário de 2022 e explicam os motivos pelos quais o Relógio do Juízo Final continua apontando o planeta perto do apocalipse.
Porque o relógio não andou para trás este ano
Nos últimos 75 anos, os ponteiros do relógio se moveram tanto para trás quanto para a frente, refletindo medidas tomadas para lidar com ameaças que poderiam acabar com a civilização, como as mudanças climáticas e a guerra nuclear.
De acordo com o Bulletin 2022, a contagem não sugere que a situação tenha se estabilizado.
Pelo contrário: “o relógio permanece o mais próximo que já esteve do apocalipse do fim da civilização porque o mundo continua em um momento extremamente perigoso”, alertam os autores.
“O Relógio do Juízo Final está se mantendo estável, mas estável não é uma boa notícia”, disse Sharon Squassoni, professora da Universidade George Washington e co-presidente do grupo que define o relógio.
“Estamos em um momento perigoso – que não traz estabilidade e nem segurança. Os desenvolvimentos positivos em 2021 não conseguiram neutralizar as tendências negativas de longo prazo.”
Em sua decisão, o Bulletin citou como principais ameaças a desinformação, as ameaças à segurança global, a falta de políticas climáticas, a tecnologia disruptiva e a resposta mundial insuficiente à Covid-19.
Na história do Doomsday Clock, riscos nucleares e ambientais
Embora as mudanças climáticas não sejam novidade, e seus riscos tenham feito parte de alertas de cientistas há décadas, o que motivou a criação do Relógio do Juízo final não foi a crise ambiental, e sim o risco nuclear.
Os integrantes do Projeto Manhattan, muitos baseados na Universidade de Chicago na época, lançaram a iniciativa logo após os bombardeios atômicos de Hiroshima e Nagasaki.
Hoje, o Doomsday Clock está localizado nos escritórios do Bulletin no Keller Center, sede da Escola Harris de Políticas Públicas da Universidade de Chicago.
Embora tenha sido criado em resposta às armas nucleares, o relógio agora inclui mudanças climáticas e “tecnologias disruptivas”, ligadas à bio e à cibersegurança.
No entanto, o Bulletin sempre enfatizou que o relógio não se destina a deixar as pessoas com medo, mas sim a estimulá-las à ação.
A atualização anual completa lista uma série de ações necessárias para tornar o mundo mais seguro e insta as pessoas a pressionar seus governos por ação.
“Não há mais tempo a perder”, disse Raymond Pierrehumbert, membro do conselho e professor da Universidade de Oxford.
O relatório completo (em inglês) pode ser lido aqui.
‘Juízo final’ nunca esteve tão perto
O melhor momento para a humanidade, segundo os cientistas responsáveis pelo Boletim, foi em 1991.
Naquele ano, o relógio marcou 17 minutos para a meia-noite, em resposta ao colapso da União Soviética e à assinatura do Tratado de Redução de Armas Estratégicas.
As duas piores marcas históricas antes da atual haviam sido registradas em 1953 e 2018: dois minutos para a meia-noite
Em 1953, os EUA e a União Soviética testaram armas termonucleares.
Em 2018, os cientistas incluíram a crise do clima entre as ameaças protagonistas, citando “um colapso na ordem internacional” dos atores nucleares e a “contínua falta de ação sobre as mudanças climáticas”.
Fonte:https://mediatalks.uol.com.br/