Professores Alessandro Sette e Daniela Weiskopf. (Foto: Gina Kirchweger/La Jolla Institute for Immunology)
HOLANDA – “Nós provamos que, em algumas pessoas, a memória pré-existente de células T contra coronavírus do resfriado comum pode reconhecer o SARS-CoV-2”, disse a Profª Weiskopf. “Isso pode ajudar a explicar por que algumas pessoas apresentam sintomas mais leves enquanto outras ficam gravemente doentes”.
“A reatividade imunológica pode se traduzir em diferentes graus de proteção”, acrescenta o Professor Alessandro Sette. “Ter uma resposta de células T forte ou uma resposta de células T melhor pode dar a você a oportunidade de montar uma resposta muito mais rápida e forte”.
O estudo Selective and cross-reactive SARS-CoV-2 T cell epitopes in unexposed humans, publicado na revista Science, dá continuidade ao trabalho publicado em maio na revista científica Cell, pelo Sette Lab e o laboratório do Professor Shane Crotty, que mostrou que 40 a 60 por cento das pessoas nunca expostas ao SARS-CoV-2 tinham células T que reagiam ao vírus – o sistema imunológico dessas pessoas reconheceu fragmentos do novo coronavírus que nunca tinha visto antes.
“É importante ressaltar que detectamos células T CD4+ reativas ao SARS-CoV-2 em 40% a 60% dos indivíduos não expostos, sugerindo o reconhecimento de células T reativas cruzadas entre coronavírus circulantes de resfriado comum e SARS-CoV-2”, diz o artigo Targets of T Cell Responses to SARS-CoV-2 Coronavirus in Humans with COVID-19 Disease and Unexposed Individuals.
São quatro os coronavírus responsáveis pelo resfriado comum: Alpha coronavírus 229E e NL63, Beta coronavírus OC43 e o HKU1. Eles circulam por todo o mundo. A maioria das pessoas se infecta com os coronavírus comuns ao longo da vida, sendo as crianças pequenas mais propensas a se infectarem.
A descoberta acabou sendo um fenômeno global e foi relatada em pessoas da Holanda, Alemanha, Reino Unido e Cingapura.
Estudos que disssecam a resposta imune humana contra vírus SARS-CoV-2 começaram a caracterizar as respostas de células T específicas do antígeno SARS-CoV-2, e vários estudos descreveram ativação marcada de subconjuntos de células T em pacientes com Covid-19 aguda.
Surpreendentemente, estudos de células T específicos para antígenos realizados com cinco grupos relataram que 20-50% das pessoas que não foram expostas ao SARS-CoV-2 tiveram reatividade significativa de células T dirigida contra peptídeos correspondentes às sequências SARS-CoV.
Os estudos foram de grupos geograficamente diversas (Estados Unidos, Holanda, Alemanha, Cingapura e Reino Unido), e o padrão geral observado foi que a reatividade de células T encontrada em indivíduos não expostos foi predominantemente mediada por células T CD4+.
Especulou-se que esse fenômeno pode ser devido a respostas de memória preexistentes contra coronavírus do “resfriado comum” humano (HCoVs), como HCoV-OC43, HCoV-HKU1, HCoV-NL63 ou HCoV-229E. Esses HCoVs compartilham homologia de sequência parcial com o SARS-CoV-2, estão amplamente circulando na população em geral e são normalmente responsáveis por sintomas respiratórios leves.
No entanto, a hipótese de imunidade de reação cruzada entre SARS-CoV-2 e HCoVs do resfriado comum ainda aguarda ensaios experimentais.
A potencial imunidade de célula T reativa cruzada preexistente ao SARS-CoV-2 tem amplas implicações, pois poderia explicar aspectos dos desfechos clínicos diferenciais de Covid-19, influenciar modelos epidemiológicos de imunidade de rebanho ou afetar o desempenho de vacinas candidatas.
Em resumo, foram identificados mais de 140 epítopos de células T humanas derivados do genoma de SARS-CoV-2, com evidências diretas de que várias células T CD4+ que reagem aos epítopos SARS-CoV-2 na verdade reagem de forma cruzada com as sequências homólogas correspondentes de qualquer um dos vários HCoVs diferentes comumente circulantes, e que essas células reativas são células T CD4+ de memória amplamente canônicas. “Esses achados de especificidades de células T de reatividade cruzada de HCoV contrastam fortemente com os anticorpos neutralizantes de HCoV, que são específicos da espécie de HCoV e não mostraram reatividade cruzada contra SARS-CoV-2 RBD. Com base nesses dados, é plausível levantar a hipótese de que a memória de células T HCoV CD4+ de reação cruzada pré-existente em alguns doadores poderia ser um fator contribuinte para variações nos resultados da doença de paciente COVID-19, mas isso é atualmente altamente especulativo”, conclui o trabalho.
“Sabíamos que havia reatividade pré-existente e este estudo fornece evidências moleculares diretas muito fortes de que as células T de memória podem ‘ver’ sequências que são muito semelhantes entre coronavírus do resfriado comum e SARS-CoV-2”, diz o Dr. Sette.
Os pesquisadores também descobriram que, embora algumas células T com reatividade cruzada tenham como alvo a proteína spike do SARS-CoV-2 – a região do vírus que reconhece e se liga a células humanas, a memória imunológica pré-existente também foi direcionada para outras proteínas do SARS-CoV-2.
Essa descoberta é relevante, explica Sette, uma vez que a maioria das vacinas candidatas tem como alvo principalmente a proteína spike. O achado sugere que a inclusão de alvos SARS-CoV-2 adicionais pode aumentar o potencial de tirar proveito dessa reatividade cruzada e produzir vacinas mais potentes.
*Com informações do La Jolla Institute for Immunology.