Jair Bolsonaro participa do culto de celebração, na manhã
deste domingo (4 de novembro de 2018), na Igreja Batista Atitude na Barra da
Tijuca, na Zona Oeste do Rio de Janeiro / Foto: Reprodução
A igreja evangélica pratica o racismo religioso? A ideia era
debater o tema numa jornada organizada pela Juventude Batista Brasileira (JBB)
na igreja da primeira-dama Michelle Bolsonaro, a Batista Atitude, na zona oeste
do Rio de Janeiro.
Na véspera, contudo, a educadora social Fabíola Oliveira
recebeu uma ligação comunicando a suspensão da mesa da qual participaria nesta
sexta-feira (19) com o pastor Marco Davi Oliveira no Despertar 2019, evento que
começou na quarta (17) e termina neste sábado (20).
A mesa com os dois, mais alinhados à linha progressista no
meio evangélico, foi substituída às pressas por uma roda de conversa menor com
outros convidados. O cancelamento foi atribuído por ela e outros pastores com
quem a Folha conversou a setores conservadores da Convenção Batista Brasileira.
Para Fabíola, vozes mais radicais se fortaleceram após a
eleição de JairBolsonaro (PSL), que tem esposa e dois filhos —o senador Flávio
e o deputado federal Eduardo— frequentando igrejas batistas.
Falar sobre racismo seria, nesse novo contexto, algo
indigesto, pois o tópico teria ligação com bandeiras históricas da esquerda.
A Folha entrou em contato com a Convenção Batista
Brasileira, que disse não ter por ora posição oficial sobre o assunto. Orientou
a reportagem a procurar um vídeo publicado nas redes sociais em que Amnom
Lopes, coordenador de sua ala jovem, fala sobre a conferência cancelada.
Ele diz que, “em tempos de polarização política”, é preciso
enxergar que “existe algo muito maior do que essa briga que a gente faz hoje”.
“Quem é crente tem a Bíblia como centro”, afirma Lopes antes de pregar que a
Bíblia precisa ser superior “a qualquer ideologia política”.
“Você tem um governo que é da esquerda, e esse governo
começa a fazer coisas que são contra a palavra de Deus. De alguma forma, quando
você se posicionar, vai parecer que você está um pouco para direita, porque a
Bíblia é seu centro. Da mesma forma, quando você tem um governo que está na
direita, e esse governo começa a fazer coisas não de acordo com o que a palavra
diz, vai parecer que está à esquerda.”
A JBB afirma que a desistência do debate “Descolonizando o
Olhar: o Racismo Atinge a Igreja?” aconteceu “por motivos alheios” à sua
vontade. Amnom não fala diretamente sobre a questão política, mas diz que ninguém
tem o direito de incutir viés partidário na JBB. Acrescenta que, sim, discutir
o racismo é pertinente. “Na mesa só tem gente do mesmo lado. Mas é porque
contra racismo só tem um lado mesmo, gente. Se não é o lado que condena o
racismo como prática pecaminosa, não tem outro lado.”
Pedro Luis Barreto Litwinczuk, o pastor Pedrão, que celebrou
o casamento de Eduardo Bolsonaro em maio, defende Fabíola. “Ficou feio por ser
uma falta de educação. Se achavam que não era um local para que ela
participasse, por que permitiram ser convidada? Isso mostra muitas vezes o
despreparo de muitos para lidar com determinadas situações.” O que se viu,
continua Pedrão, “foi uma pitada de insegurança e autoritarismo por parte da
diretoria dos batistas brasileiros”.
Fabíola tem um discurso crítico ao bolsonarismo. Ela afirma
que muitos irmãos evangélicos levam acriticamente o preceito bíblico de que
toda autoridade é constituída por Deus.
Veriam o presidente, portanto, como um representante de Deus
e, como tal, acima de quaisquer questionamentos. “A pessoa pensa que não pode
questionar, e essa é nossa função enquanto cidadãos, fiscalizar.”
Mas a fala de Bolsonaro, segundo ela, “não se relaciona ao
Evangelho, é uma fala bélica, odiosa”.
Ativista de movimentos negros desde 2002, ela diz que virou
alvo de conservadores batistas em parte por seu passado no candomblé.
Converteu-se evangélica em 2015 e nem por isso deixou de tocar nessa ferida,
diz. “Ficou muito caro falar em racismo religioso. Eu experimentei isso. Já fui
orientada a não falar de orixás em ambiente de trabalho. Minha mãe contava que
as pessoas tinham medo de comer os doces que ela fazia por ser do candomblé.”
“De repente, eu me vi na igreja evangélica”, conta a
convertida Fabíola, que hoje vai na Comunidade Batista de São Gonçalo (RJ). “Vi
de onde que se produz isso. Não é da igreja, são das pessoas lá dentro. O
Evangelho não tenta de forma alguma demonizar alguém.”
*Fonte: Folha de S. Paulo