A cientista-chefe da OMS, Dra. Soumya Swaminathan, reafirmou que vacinados deverão continuar usando máscara e mantendo distanciamento porque podem ser infectados, adoecer e também transmitir o vírus da covid. Viajantes devem ser submetidos a quarentenas.
A Dra. Soumya Swaminathan, disse em uma entrevista coletiva virtual que ainda não há evidências de que as pessoas que foram vacinadas possam entrar em países como a Austrália sem o risco de espalhar a doença.
Questionada pelo The Sydney Morning Herald o que isso significaria para o programa de quarentena da Austrália, Swaminathan disse:
“Não acredito que tenhamos evidências sobre qualquer uma das vacinas para ter certeza de que irão impedir as pessoas de realmente contraírem a infecção e portanto, podendo repassá-la”.
“Precisamos presumir que as pessoas que foram vacinadas também precisam tomar as mesmas precauções até que haja um certo nível de imunidade de rebanho. Esta é uma dinâmica em um campo em evolução”.
O objetivo declarado da Austrália é suprimir todas as transmissões comunitárias.
A estratégia de eliminação depende de proibições que impedem os australianos de deixar o país a menos que recebam autorização e impõe limites ao número de cidadãos que podem retornar, após o que eles devem ficar em quarentena por duas semanas sob guarda em um hotel.
O Dr. Mike Ryan, diretor de Emergências de Saúde da OMS, advertiu que o vírus veio para ficar.
O cenário provável é que o SARS-CoV-2 se tornará outro vírus endêmico, “que permanecerá uma ameaça, mas uma ameaça de nível muito baixo no contexto de um programa de vacinação global eficaz”.
“A existência de uma vacina, mesmo com alta eficácia, não tem garantia de eliminação ou erradicação de uma doença infecciosa, que é uma barreira muito alta para a gente conseguir superar”.
O Dr. David Heymann, da Escola de Medicina Tropical e Higiene de Londres, foi mais longe.
“Não importa o que tenhamos feito até agora, o vírus continuará a se espalhar, apesar das vacinas, apesar das terapias, apesar dos testes de diagnóstico”.
Para o pesquisador de vacinas Peter Richmond, professor da University of Western Australia, continua sendo uma das maiores incógnitas se as novas vacinas vão interromper a transmissão.
A proposta renovada de um “passaporte de imunidade” enfrenta a incerteza sobre se a pessoa permanecerá potencialmente infecciosa após a vacinação.
“É a carroça que fica na frente dos bois”, diz Richmond. “É muito cedo, não temos os dados para apoiar como isso pode funcionar”.
Também é muito cedo para dizer quanto tempo pode durar a proteção conferida, novamente uma incógnita que pode levar meses para ser esclarecida.
Na coletiva, a OMS essencialmente reafirmou o entendimento expresso há meses por outros cientistas da própria Organização Mundial de Saúde (OMS) assim como de renomados especialistas, sobre a proteção das vacinas experimentais.
O ambicioso propósito, inalcançável para muitos, da multibilionária Operação Warp Speed de Donald Trump era acelerar o desenvolvimento e fabricação de vacinas covid, com meta de distribuir centenas de milhões de doses até o final de 2020.
A iniciativa do governo americano surgiu de um encontro na Casa Branca entre Trump e executivos das maiores empresas farmacêuticas. Recentemente, os protocolos dos ensaios das vacinas revelaram que a prevenção de infecções e de doenças graves não eram exigidas, bastando reduzir sintomas para aprovação.
Uma leitura atenta sugere que os ensaios clínicos foram elaborados para garantir o maior sucesso possível das vacinas para os processos de registro, potencialmente superestimando a eficácia.
Por exemplo, um documento datado de 10 de dezembro da FDA (VRBPAC Briefing) parece indicar que somente casos sintomáticos foram considerados nos resultados dos ensaios de uma vacina candidata em análise pela agência.
“Efficacy is being assessed throughout a participant’s follow-up in the study through surveillance for potential cases of COVID-19. If, at any time, a participant develops acute respiratory illness, an illness visit occurs. Assessments for illness visits include a nasal swab, which is tested at a central laboratory using a reverse transcription-polymerase chain reaction (RT-PCR) test …”, diz o documento.
Neste caso, a chamada eficácia seria uma relação entre o número total de casos sintomáticos comunicados/confirmados nos grupos de vacinados e não vacinados, uma medida de redução de sintomas, não necessariamente de infecções, onde a quase totalidade dos casos registrados nos ensaios tem sido leves e moderados.
Os números de infecções em ensaios das três vacinas aprovadas para uso emergencial foram registrados a partir da iniciativa de participantes que se sentiram doentes e entraram em contato com responsáveis pelo estudo, não existindo monitoramento regular de todos os participantes. Não houve testagem semanal para levantar a carga viral de cada voluntário, portando, não se conhece no momento qual a eficácia de tais vacinas nas infecções assintomáticas, inclusive naqueles participantes infectados cujos sintomas foram suavizados pelas vacinas e não comunicaram a doença, sugerindo que as autoridades de saúde não julgam relevante a parcela do espalhamento do vírus da população assintomática, ainda que situem o número de testes positivos como justificativa central nas suas ações.
Ironicamente, os efeitos colaterais das vacinas covid podem ser mais fortes, mais sérios e mais duradouros do que os sintomas leves e moderados provocados pelo vírus.
Ainda em junho, o Dr. William A. Haseltine, ex-professor da Escola de Medicina de Harvard, já criticava em um artigo (Did The Oxford Covid Vaccine Work In Monkeys? Not Really) a orientação do desenvolvimento das vacinas covid:
“Todos os macacos vacinados foram infectados e não houve diferença na carga viral em comparação com os animais não vacinados”, disse Haseltine sobre o ensaio da vacina da Oxford/AstraZeneca.
“É evidente que a vacina não forneceu imunidade esterilizante ao ataque do vírus, o padrão-ouro para qualquer vacina”, escreveu Haseltine. “As vacinas contra o coronavírus em desenvolvimento não funcionam da maneira como as pessoas pensam sobre as vacinas: elas não protegem você de ficar doente”.
Na ocasião, Michael Kinch, especialista em desenvolvimento de medicamentos e vice-chanceler da Universidade de Washington em St. Louis, alertou:
“Meu palpite é que, no dia seguinte a alguém ser inoculado, eles pensarão: posso voltar ao normal. Tudo vai ficar bem”, disse. “Eles não vão necessariamente perceber que ainda podem ser suscetíveis à ser infectados e ficar doentes”.
A vacina da Oxford seria um sucesso contra sintomas graves, apostava Pascal Soriot, CEO da AstraZeneca, em entrevista à BBC.
Os ensaios clínicos da vacina no Reino Unido foram realizados com voluntários saudáveis de até 55 anos.
Segundo dados publicados pelo NHS, o total de pessoas sem comorbidades e com menos de 60 anos que morreram em 2020 em hospitais da Inglaterra com testes positivos para o vírus da covid-19 foi de 377 até 16 de dezembro.
Publicados os resultados da fase 3 da vacina da Oxford/AstraZeneca, sem registrar sequer um caso grave de covid-19 entre todos os participantes, vacinados ou não, um conselheiro científico de Joe Biden opinou que o medicamento dificilmente seria aprovado nos EUA, enquanto Putin chamou a vacina britânica de “fracasso” – a AstraZeneca estaria atualmente testando uma formulação russa para melhorar a eficácia, mas a esperança dos investidores é que a vacina original obtenha autorização de uso no Reino Unido e no Brasil.
Em julho, Anders Tegnell, um dos formuladores da política pública sueca de enfrentamento ao vírus, disse:
“Não acho que seja uma doença que possamos erradicar – não com os métodos que temos atualmente. Pode ser uma doença que, a longo prazo, possamos erradicar com uma vacina, mas não tenho certeza disso. […] Pessoalmente, acredito que é uma doença com a qual teremos que aprender a conviver”.
As autoridades suecas de saúde não iniciarão uma campanha de vacinação em massa com vacinas aprovadas após poucos meses de ensaios clínicos de fase III, e não aplicarão medicamentos com baixa eficácia em toda a população.
O coordenador de vacinas da Suécia, Richard Bergström, ressaltou que existem fatores desconhecidos, por exemplo, em torno da eficácia da vacina entre diferentes grupos de pacientes. Não se conhece também a durabilidade.
“Não sabemos qual vacina funciona melhor. Sabe-se, por exemplo, que é difícil obter imunidade entre os idosos”, disse Bergström.
“Não tenho certeza de que as primeiras vacinas serão tão eficazes para todos os grupos de pacientes”, disse o coordenador. “Não queremos usar vacinas que não forneçam proteção suficiente, então [a vacinação] poderá ser adiada até o inverno [europeu] de 2021 ou 2022 antes que todos possam ser vacinados”.
Mais importante, as autoridades suecas não acreditam que a vacina possa acabar com a pandemia – no futuro previsível, as medidas preventivas ainda estarão em vigor.
“Uma futura vacina provavelmente constituirá uma ferramenta importante no combate à pandemia, mas não é a solução definitiva para o problema. Uma vacina por si só não pode deter a pandemia”, disse Johan Carlson, Diretor-Geral da Agência de Saúde Pública da Suécia, em coletiva de imprensa em setembro.
“Minha mensagem é muito clara de que as medidas preventivas que temos devem permanecer”, destacou.
“Acho que devemos contar com vários anos em que teremos que lidar com isso [pandemia]. Não precisa significar medidas muito restritivas, mas é errado pensar que isso acabará no próximo verão porque teremos uma vacina então”, disse Johan Carlson.
Ken Frazier, Presidente e CEO da principal produtora de vacinas do mundo, a gigante farmacêutica Merck & Co., expressou entendimento semelhante.
“A realidade do mundo é que nesta época do próximo ano muito bem pode parecer com o que estamos experimentando agora”, alertou o executivo em julho.
“O que mais me preocupa é que o público está com tanta ansiedade, tão desesperado para voltar à normalidade, que está nos empurrando [a indústria farmacêutica] para mover as coisas cada vez mais rápido”, alertou.
“Há muitos exemplos de vacinas no passado que estimularam o sistema imunológico mas não conferiram proteção. E, infelizmente, há alguns casos em que não só não conferiu proteção mas ajudou o vírus a invadir a célula porque a vacina estava incompleta em termos de suas propriedades imunogênicas. Temos que ter muito cuidado”, disse Frazier.
“Não temos um grande histórico de introduzir vacinas rapidamente no meio de uma pandemia. Precisamos ter isso em mente”, ponderou o CEO.
Em última análise, “se você vai usar uma vacina em bilhões de pessoas, é melhor você saber o que essa vacina faz”.
Em novembro, o Dr. David Nabarro, ex-candidato do Reino Unido para chefiar a OMS e atual Enviado Especial para Covid-19 da organização, disse ao Financial Times que não havia expectativa das vacinas prevenirem a transmissão do vírus.
“Não estamos fundamentalmente usando a vacina para criar imunidade da população, estamos apenas mudando a probabilidade das pessoas sofrerem [sintomas]”.
É importante ressaltar que não há sentido comparar a eficácia nominal entre vacinas ou esperar o desempenho na prática. É uma projeção calculada para o grupo de voluntários que participou dos ensaios, uma amostra não representativa do universo, usada para obter aprovação para comercialização do produto.
Existe uma lacuna entre as expectativas do público em relação às novas vacinas, ansiosamente aguardadas, e a longa e imprevisível estrada que existe pela frente.
Segundo a Sociedade Brasileira de Imunologia (SBI), para que seu uso seja justificado, o grau de proteção alcançado por uma vacina deveria ser de pelo menos 60-70% em um ano.
“Uma vacina com eficácia de menos de 70%, pode minimizar as formas graves da doença, mas provavelmente não impactará na transmissão do vírus”, pondera a sociedade científica em Nota Técnica, ressaltando que é um equívoco avaliar vacinas com base em respostas iniciais de ensaios clínicos.
“É sabido que devido a sua atividade adjuvante, uma vacina funciona como imunoestimulante e pode, nos meses iniciais, proteger indivíduos por mecanismos não relacionados com a imunidade específica mediada pelos anticorpos e linfócitos T. Além disto, existe a janela imunológica. Normalmente a resposta imune demora entre 30-60 dias para se consolidar, em especial, se uma segunda dose for necessária. Portanto, acreditamos que 12 meses seria um tempo mínimo aceitável para avaliar uma vacina contra Covid-19”, diz a Nota.
A entidade alerta também para a importante distinção entre imunidade e proteção.
“Quando imunologistas falam em imunidade, normalmente refere-se à detecção de respostas imunes que indicam contato com o patógeno e geração de memória. Contudo, isso não é automaticamente um correlato de proteção. Das respostas detectadas em indivíduos infectados ou vacinados, é preciso ainda investigar quais delas conferem proteção. Mais ainda, diferentes níveis de proteção podem ser gerados em um indivíduo. Anticorpos neutralizantes, por exemplo, podem conferir imunidade esterilizante: eles bloqueiam a infecção e portanto impedem transmissão. Já linfócitos T de memória dificilmente impedem a infecção, mas são fundamentais para limitar a patologia e a gravidade da doença. No entanto, é possível que um indivíduo, mesmo com sintomas brandos da doença e com indícios de uma resposta imune, dissemine o vírus”, explica a Nota Técnica da sociedade científica.
Rejeição
Levantamento do Datafolha no início do mês mostrou que 50% dos brasileiros não tomariam a vacina da Sinovac-Butantan, 36% rejeitariam uma vacina russa e 23% disseram que não tomariam uma vacina americana.
Naturalmente, a rejeição não é pela população ser “anti-vacina”, ou pensar que não são necessárias, mas pela agenda comercial e política dos ensaios e aprovação, que levam as pessoas a “hesitar”, refletindo sobre os riscos e os reais beneficiados.
Pesquisas junto a trabalhadores de saúde dos Estados Unidos e da União Europeia mostram que as vacinas mRNA estão sendo rejeitadas por até 70% dos funcionários de hospitais, com os maiores indices ocorrendo em países da Europa.
Atualização 29/12 – A AstraZeneca não entrou com pedido de aprovação da sua vacina covid junto a União Europeia, revelou Noel Wathion, vice-diretor-executivo da Agência Europeia de Medicamentos (EMA).
“Eles ainda nem nos enviaram uma solicitação”, disse Wathion em uma entrevista ao jornal belga Het Nieuwsblad, publicada nesta terça-feira (29).
Segundo o executivo, as agências reguladoras da Europa só receberam algumas informações sobre a vacina.
“Nem mesmo o suficiente para justificar uma licença de comercialização condicional”, disse Wathion. “Precisamos de dados adicionais sobre a qualidade da vacina. E depois disso, a empresa tem que fazer uma solicitação formal”.
Isto torna “improvável” uma aprovação na União Europeia no mês que vem, disse Wathion.
Em junho, o Ministério da Saúde da Alemanha anunciou que o bloco tinha negociado a compra de 400 milhões de doses da vacina da AstraZeneca.
Pascal Soriot, CEO da AstraZeneca, disse: “Este acordo garantirá que centenas de milhões de europeus tenham acesso à vacina da Universidade de Oxford após a aprovação. Com nossa cadeia de suprimentos europeia prestes a iniciar a produção em breve, esperamos disponibilizar a vacina ampla e rapidamente. Gostaria de agradecer aos governos da Alemanha, França, Itália e Holanda pelo comprometimento e resposta rápida”.
Anteriormente, a AstraZeneca tinha fechado acordos semelhantes com o Reino Unido (100 milhões de doses, com 30 milhões prometidas para setembro de 2020), os Estados Unidos (300 milhões de doses), a CEPI (Coalition for Epidemic Preparedness Innovations), criada pela Fundação Bill & Melinda Gates e sediada na Noruega, e com a GAVI (Global Alliance for Vaccines and Immunisation), também financiada pela Fundação Gates.
Atualização 30/12 – Reino Unido aprova vacina covid desenvolvida pela Universidade de Oxford, da Inglaterra, e pela multinacional britânica-sueca AstraZeneca (AZ). País é o primeiro a conceder aprovação.
“A decisão extraordinária do regulador do Reino Unido de expandir 4 vezes o intervalo entre a 1ª e a 2ª injeção da vacina AZ sem extensos ensaios clínicos demonstra a flexibilidade que o Brexit oferece na resolução de questões regulatórias”, comentou Alexander Gintsburg, diretor do Instituto Gamaleya, em rede social.
Nancy Pelosi não teria dito melhor.
* Com informações do The Sydney Morning Herald, OMS, Sociedade Brasileira de Imunologia (SBI)