Marcha para Jesus em São Paulo, a maior festa evangélica do
Brasil / Foto: Reprodução/UOL
Marcelo de Oliveira está imensamente agradecido à sua Igreja
evangélica, que o resgatou das garras da cocaína à qual esteve preso durante
duas décadas. Dezesseis anos em seu seio, 16 anos limpo. Rita Pereira já não se
endivida desde que se uniu à dela. Nenhum deles nasceu nessa fé, como contaram
em junho enquanto participavam da Marcha para Jesus em São Paulo, a maior festa
evangélica do Brasil. São só dois dos rostos de uma revolução silenciosa que
começou nos anos setenta e quebrou um monopólio que a Igreja católica sustentou
por cinco séculos na América Latina, como explica o sociólogo e ex-ministro
peruano José Luis Pérez Guadalupe no recente estudo Evangélicos y Poder.
Basta circular por qualquer cidade ou povoado da região,
principalmente em áreas periféricas pobres ou rurais, para constatar o quanto
se multiplicaram os templos das diversas denominações evangélicas. Todos os
especialistas insistem que é um movimento nada homogêneo. Os fiéis aumentaram
de maneira espetacular. No Brasil, o país mais populoso da América Latina e com
mais católicos do mundo, os evangélicos já são 30% de seus 210 milhões de
habitantes. Em alguns países muito menos populosos, como Guatemala e El
Salvador, representam quase metade da população depois de um aumento acelerado
nas últimas cinco décadas. Se 92% dos latino-americanos professavam em 1970 o
catolicismo imposto por espanhóis e portugueses na conquista, em 2017 esse
total estava reduzido a 59%, diante do avanço dos evangélicos (19%) e do
agnosticismo.
Os motivos que levam tantos milhões de latino-americanos a
se converter às novas denominações, dinâmicas, muito mais adaptadas à
modernidade do que a Igreja católica, são variados. Mas muitas pessoas são
impulsionadas por suas famílias para abandonar vícios, sejam as drogas ou o
álcool que tantos estragos causa nas famílias, ou superar qualquer outro
problema.
Não só são mais numerosos, como também têm mais poder desde
que, nos anos oitenta, atravessaram as portas dos templos para entrar na
política e no mundo dos negócios. A Guatemala tem um presidente evangélico, o
cômico e teólogo Jimmy Morais, enquanto na Costa Rica outro, Fabricio Alvarado,
chegou ao segundo turno da última eleição presidencial. No Brasil, o presidente
Jair Bolsonaro é católico, mas tem uma aliança com as Igrejas evangélicas − que
têm entre seus fiéis nada menos que um de cada seis congressistas. Nesta
semana, Bolsonaro assistiu ao culto semanal na sede da Câmara de Deputados e
prometeu que um dos dois juízes que espera nomear para o Supremo Tribunal Federal
será “terrivelmente evangélico”, um passo importante, porque foi o STF que
aprovou as normas que protegem o direito ao aborto em três casos e o casamento
igualitário.
Euler Morais, um ex-deputado que participou do culto com o
presidente em Brasília, apresenta-se como um dos impulsionadores para que os
evangélicos brasileiros entrassem em política. Ele diz que graças a essa
mudança os deputados protestantes deixaram há muito tempo de ser meros
observadores, e a defesa da família tradicional e dos costumes cristãos é só
parte de sua ação política. Eles se transformaram em uma voz influente em
política econômica e de segurança e querem participar da transformação
prometida por Bolsonaro, que no culto se definiu como “instrumento” de Deus.
*Fonte: El País