Igreja Internacional da Graça de Deus, do pastor Romildo Ribeiro Soares, está no topo do ranking das igrejas evangélicas que mais devem à Receita Federal. (Foto: Reprodução)
O Brasil é um Estado laico, que assegura o exercício pleno
de toda e qualquer crença religiosa, filosófica ou política, de modo que a
concessão de passaporte diplomático a líder religioso específico, em detrimento
dos representantes das demais religiões, viola, de maneira frontal, o princípio
da isonomia.
O entendimento é da juíza Ana Lucia Petri Betto, da 6º Vara
Cível Federal de São Paulo. A magistrada anulou portaria de 2019 que concedeu
passaporte diplomático ao pastor R. R. Soares, da Igreja Internacional da Graça
de Deus, e à sua esposa, Maria Magdalena Soares. A decisão foi proferida na
quinta-feira (16/7).
De acordo com a juíza, a concessão de passaporte deve ser
minuciosamente justificada quando o beneficiário não for o presidente da
República, seu vice, ministros de estado, governadores, diplomatas e militares
a serviço de organismos internacionais. Nesses casos, o documento diplomático é
dado a quem representa o interesse do país, tal como definido pelo Decreto
5.879/06 e regulamentado pela Portaria 98/11.
Para a magistrada, não houve a devida justificação, uma vez
que o ato administrativo em favor do pastor e de sua esposa diz apenas que a
medida foi tomada para que eles possam desempenhar “de maneira mais eficiente
suas atividades em prol das comunidades brasileiras no exterior”. A portaria
que autoriza a emissão do documento diplomático é assinada pelo ministro das
Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e foi publicada na edição de 3 de junho de
2019 do Diário Oficial da União.
“Os motivos determinantes do ato devem ser declarados, a fim
de viabilizar tal controle, demandando minuciosa fundamentação, pois, dada a
discricionariedade administrativa para praticar o ato, há que se saber se o
comportamento que tomou atendeu ou não ao princípio da legalidade, se foi
concernente com a finalidade normativa, se obedeceu à razoabilidade e à
proporcionalidade”, afirma a decisão.
Ainda segundo a magistrada, “a atuação como líder religioso
no desempenho de atividades da igreja não importa em representação de interesse
do país, de forma a justificar a proteção adicional consubstanciada no
passaporte diplomático, sendo certo que as viagens missionárias, mesmo que
constantes, e as atividades desempenhadas no exterior, não estarão prejudicadas
com a utilização de um passaporte comum”.
O pedido para anular a portaria de Ernesto Araújo foi
ajuizado pelo advogado Ricardo Amin Abrahão Nacle, em ação popular.
Liminarmente, os efeitos do ato administrativo foram suspensos pela juíza
Denise Aparecida Avelar dois dias depois de o chanceler brasileiro autorizar a
emissão do documento diplomático.
Essa não é a primeira vez que a justiça anula a concessão de
passaporte a Soares. Em 2016, o governo liberou a documentação ao pastor. No
ano seguinte, a juíza Diana Brunstein, da 7ª Vara Cível Federal de SP, cassou
seus efeitos.
Na ocasião, a magistrada afirmou que “não houve a exposição
de qualquer motivo plausível para a concessão dos passaportes diplomáticos”. A
juíza também disse que autorizar o benefício só porque o pastor é um líder
religioso “é raciocínio contrário à própria ordem constitucional, que consagra
tanto a liberdade religiosa, como a laicização do estado, na qual existe plena
separação entre os interesses da igreja (ou instituições religiosas de uma
maneira geral) e os do Estado”.
Fonte: Conjur – Consultor Jurídico