A sociedade contemporânea apresenta como uma de suas principais características a massificação da informação, razão pela qual os estudiosos, ao abordarem as mídias sociais, advertem que vivemos um momento de substituição dos veículos de comunicação de massa por uma massa de veículos de comunicação.
A par do inequívoco direito à indenização por danos materiais e morais, existe ainda a questão do direito de resposta, com a publicação da sentença condenatória. Há quem sustente seu descabimento, tendo em vista que o dispositivo que o previa — artigo 75 da Lei 5.250/67 (Lei de Imprensa) [1] — não foi recepcionado pela Constituição de 1988, conforme entendimento do STF no julgamento da ADPF 130-DF.
O STJ, porém, tem entendido que a não recepção da Lei de Imprensa pela nossa CF não isenta a responsabilidade dos profissionais de comunicação, nem dos autores de obras literárias, acadêmicas e científicas, uma vez que o Código Civil protege os direitos de personalidade e impõe o dever de indenizar a todo aquele que causar prejuízo a outrem (CC, artigos 186, 187 e 927).
A publicação da sentença condenatória do autor da ofensa e sua retratação em grandes veículos de comunicação encontram amparo legal nos artigos 927 e 944, CC [2], fundamentando o Enunciado 589 da VII Jornada de Direito Civil: “A compensação pecuniária não é o único modo de reparar o dano extrapatrimonial, sendo admitida a reparação in natura, na forma de retratação pública ou outro meio”.
A plena recomposição do dano não se esgota no ressarcimento pecuniário, alcançando também todos os meios de restabelecimento da verdade e reconstrução da honra aviltada. “O Direito à retratação e ao esclarecimento da verdade possui previsão na Constituição da República e na Lei Civil, não tendo sido afastado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADPF 130-DF” [3].
Majoritariamente a doutrina conceitua os direitos de personalidade como o conjunto de características físicas e incorpóreas que compõem a identidade da pessoa humana. Didaticamente, Christiano Cassettari assim subdivide os direitos de personalidade:
“a) Direito à vida — proteção da existência da pessoa natural e do nascituro;
b) Direito à integridade física — proteção à saúde pessoal;
c) Direito ao corpo e partes separadas — utilização do corpo como lhe aprouver, exceto se atentar contra a vida, saúde física e mental. Veda também a comercialização de partes do corpo;
d) Direito à imagem — proteção à imagem, a expressão visual do titular;
e) Direito à honra — proteção a aspectos morais da personalidade;
f) Direito à voz — retirar proveito econômico de sua expressão vocal;
g) Direito aos alimentos — de perceber alimentos para sua subsistência se estiver necessitado e sem condições de obtê-los;
h) Direito ao cadáver e partes separadas — proteção dos restos mortais até a composição física” [4].
Surgem, então, dois direitos fundamentais em conflito: a liberdade de expressão constitucionalmente assegurada e o direito a intimidade, honra, imagem e vida privada, valores também protegidos em nível constitucional. Nessas situações, é necessário fazer um sopesamento dos bens jurídicos em aparente colisão, mediante a verificação de a publicação, no caso concreto, ter cumprido seu dever de informar, ou se, abusando dessa prerrogativa, desviou-se de seus fins para ofender a honra da vítima, sob falso pretexto.
O Enunciado 279 do Conselho de Justiça Federal afirma que a proteção da imagem deve ser ponderada com outros direitos constitucionalmente tutelados, entre os quais liberdade de expressão e opinião, liberdade de imprensa e acesso à informação. Havendo conflito entre as garantias fundamentais, deverão ser levadas em conta questões específicas da situação, tais como a notoriedade da vítima, o alcance dos fatos e a veracidade na publicação [5].
Em nossa Constituição, não há direitos absolutos, sendo necessária a mitigação de seus efeitos em cada caso em concreto, de modo que a incidência de um não elimine a projeção da eficácia do outro. O direito à liberdade de expressão não foge a essa regra e não se confunde com uma folha em branco que pode ser preenchida ao bel-prazer pelo autor, independentemente das consequências negativas advindas de suas opiniões.
Os direitos fundamentais da proteção da imagem e da livre expressão do pensamento encontram alicerces nos princípios da privacidade e liberdade. Com base nos estudos de Dworkin, a teoria normativa-material de Robert Alexy [6] defende que toda norma é regra ou princípio, havendo entre elas apenas uma diferenciação qualitativa, fundada no modo de resolução de conflitos. O princípio é um mandado de otimização, que pode ser cumprido com maior ou menor grau, por meio da ponderação entre a possibilidade jurídica e a possibilidade real de adequação do fato à norma.
Dessa forma, nunca estaremos diante de um conflito real entre princípios, pois a análise de adequação entre a possibilidade jurídica e sua aplicação efetiva será determinante para a decisão de qual deles prevalecerá. Os princípios não se excluem e não são ordenados hierarquicamente, mas compõem um todo, onde cada qual será aplicado ao caso concreto para melhor dirimir um conflito de interesses na vida real.
A generalidade e a falta de precisão de um princípio aumenta seu âmbito de incidência e impede sua revogação. Não é possível invalidar todo um feixe de regras e valores, ocorrendo na verdade uma acomodação entre os princípios em conflito, não a eliminação de um pelo outro. Ambos se ajustam de acordo com as características especificas da situação em foco.
Canotilho ensina que “os princípios são normas compatíveis com vários graus de concretização, conforme os condicionamentos fáticos e jurídicos, enquanto as regras impõem, permitem ou proíbem uma conduta, de forma imperativa, que é ou não cumprida. No caso de conflito, os princípios podem ser harmonizados, pesados conforme seu peso e seu valor com relação a outros princípios. Já as regras, se têm validade, devem ser cumpridas exatamente como prescritas, pois não permitem ponderações. Se não estão corretas, devem ser alteradas. Isso demonstra que a convivência dos princípios é conflitual — coexistem —, enquanto a das regras é antinômica, excluem-se” [7].
O STJ já decidiu que: “Os direitos à informação e à livre manifestação de pensamento não possuem caráter absoluto, encontrando limites em outros direitos e garantias constitucionais que visam à concretização da dignidade da pessoa humana. No desempenho da função jornalística, as empresas de comunicação não podem descurar de seu compromisso com a veracidade dos fatos ou assumir uma postura injuriosa ou difamatória ao divulgar fatos que possam macular a integridade moral do indivíduo” [8].
Ao cidadão não é dado o direito de difamar, caluniar, injuriar e destruir a reputação de terceiros, não lhe aproveitando a escusa do exercício absoluto da liberdade de expressão. Quem abusa de um direito comete ato ilícito e por ele responderá.
Como ensina Márcio André Lopes Cavalcanti, “(…) não se trata de censura ou controle prévio de comunicação social e da liberdade de expressão, pois não está impondo nenhuma proibição de comercialização da obra literária, nem mesmo se determinando que as edições até então produzidas sejam recolhidas ou destruídas, o que seria de todo contrário ao ordenamento jurídico” [9].
É só lembrar que a todo direito corresponde um dever e que o direito de um acaba quando começa o do outro. Esse é o preço de conviver na democracia e em civilização.
[1] Artigo 75, L, nº 5.250/67: “A publicação de sentença cível ou criminal, transitada em julgado, na íntegra, será decretada pela autoridade competente, a pedido da parte prejudicada, em jornal, periódico ou através de órgão de radiodifusão de real circulação, ou expressão, às expensas da parte vencida ou condenada”.
[2] “Artigo 927, CC: “Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.
Artigo 944, CC: “A indenização mede-se pela extensão do dano”.
[3] STJ, 3ª Turma. REsp 1.771.866-DF, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 12/02/2019 (Info 642).
[4] CASSETTARI, Christiano. Elementos de Direito Civil, 2ª edição. Ed. Saraiva, 2013, p. 56/57.
[5] Enunciado 279 do Conselho de Justiça Federal. IV Jornada de Direito Civil. Coordenador-Geral: Min. Ruy Rosado de Aguiar. Coordenador da Comissão de Trabalho: Gustavo Tepedino e Silvio Romero Beltrão.
[6] ALEXY, P. 86/87, Apud CUNHA JÚNIOR, 2012, p. 155).
[7] CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria das Constituições, 4ª edição, Coimbra. Ed. Almedina, 1998, p. 1.125.
[8] STJ, 3ª Turma. REsp 1.567.988/PR, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 13/11/2018.
[9] CAVALCANTI, Márcio André Lopes. Principais julgados do STF e STJ comentados. Ed. JusPodium, 2019, p. 40.
Fernando Capez é procurador de Justiça, mestre e doutor em Direito e presidente do Procon-SP.