Jair Bolsonaro orando. (Foto: Reprodução)
A expectativa criada após a vitória de Jair Bolsonaro (PSL)
de que a chamada “pauta de costumes” chegaria com força no Congresso não se
confirmou até agora e não deve sair do papel tão cedo.
A análise dos dez temas que estão no topo da lista de
bandeiras ideológicas do presidente da República mostra, inclusive, o
contrário: projetos como o da chamada Escola sem Partido e os que endurecem as
proibições ao aborto, que fervilharam na legislatura passada, estão adormecidos
nestes oito meses de novo governo federal.
A Folha de S. Paulo conversou com aliados de Bolsonaro e
líderes de partidos de centro e da oposição. O diagnóstico é similar. Para
eles, não há chance de o pacote de projetos conservadores caminhar de forma
relevante em 2019. “A prioridade é a pauta econômica e vai ser por um bom tempo
até pela crise que o Brasil vive até hoje”, afirma o presidente da Câmara,
Rodrigo Maia (DEM-RJ).
“Não temos problema em pautar matérias de interesse da
bancada evangélica ou da esquerda, mas isso tudo é uma construção [de apoio
político]. Há uma prioridade, uma agenda muito extensa, que é a agenda
econômica, de redução da desigualdade, redução de pobreza e abertura comercial
no Brasil”, completa Maia.
Segundo congressistas, nos anos seguintes (em 2020 há
eleições municipais no segundo semestre) pode haver avanço de um ou outro tema,
desde que haja uma melhora dos indicadores econômicos e um abrandamento de
pontos considerados excessivamente radicais.
Até agora, há quatro fatores que explicam o fenômeno de um
governo acentuadamente conservador não ter conseguido emplacar quase nenhuma de
suas pautas na lista de prioridades do Congresso.
O principal é o consenso na maior parte do meio político de
que a economia está em tal situação de precariedade que é imprescindível focar
as reformas da Previdência (já chancelada pela Câmara e hoje no Senado) e
tributária, além de outras propostas com o intuito de retomada do emprego e do
crescimento.
O presidente da Câmara quer acrescentar a esse pacote
econômico projetos para redução da desigualdade e combate à pobreza.
O segundo ponto de entrave à pauta de costumes é o fato de o
presidente da Câmara e o seu colega de partido Davi Alcolumbre (DEM-AP),
presidente do Senado, terem defendido posições mais ao centro.
O deputado, inclusive, recebeu apoio de parte da esquerda à
sua reeleição para o comando da Câmara, em fevereiro, mediante compromisso de
não dar prioridade às propostas mais radicais do pacote conservador. “Certamente a pauta de costumes não será a
prioridade. Isso não significa que a gente não possa em um ponto aqui e outro
ali atender um pleito de uma bancada ou de outra para votar uma matéria”,
afirma Maia, que reconhece as demandas da bancada evangélica, que o apoiou na
eleição ao comando da Casa.
Por fim, contribuem para esse cenário as deficiências da
articulação política do Planalto, que não formou base majoritária no Congresso,
e a posição da cúpula do Judiciário em defesa das minorias.
Alguns dos principais projetos da pauta de costumes está na
educação. O da Escola sem Partido dormita na Câmara em uma comissão especial
desde que Bolsonaro assumiu. Em 2018, o tema inflamou embates entre direita e
esquerda.
O texto, que sofre acirrada oposição no meio acadêmico,
estabelece, entre outros pontos, a afixação de cartazes nas escolas com
“deveres dos professores”, tais como respeitar o direito dos pais de definir a
adequada educação religiosa e moral de seus filhos.
Ainda nessa área, está na estaca zero a tramitação do
projeto de ensino domiciliar, enviado por Bolsonaro à Câmara em abril. A
proposta contraria o modelo brasileiro de ensino formal nas escolas, com
obrigatoriedade de matrícula.
Um tema que também teve forte presença na legislatura
passada foi a tentativa de endurecer as regras do aborto, hoje permitido nos
casos de feto anencéfalo, gravidez decorrente de estupro ou que cause risco à
vida da mulher.
Projetos para estabelecer na legislação que o direito à vida
ocorre “desde a concepção” chegaram a ser desarquivados, mas nenhum deles
avançou.
Em reação à homofobia, a bancada religiosa estuda aprovar
uma legislação menos rigorosa que a definida pelo STF, mas ainda não houve
consenso.
Relator da proposta de redução da maioridade penal de 18
para 16 anos, o senador Marcelo Castro (MDB-PI) está há sete meses para
apresentar seu parecer na Comissão de Constituição e Justiça. “Estou analisando
a conveniência e a oportunidade para apresentá-lo. O Senado está muito envolvido
com as reformas da Previdência, tributária, com a indicação do Eduardo
Bolsonaro para a Embaixada de Washington [ainda não formalizada pelo
presidente], então é um clima de muita tensão. E redução é uma matéria muito
complexa, que gera conflito e posições apaixonadas de lado a lado.”
Um dos líderes da bancada evangélica –que conta com 203 dos
594 congressistas–, o deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ) afirma que a pauta
de costumes virá à tona em algum momento. “Tem outras prioridades agora. As
mudanças tributárias são importantes para a bancada evangélica. A hora que a
gente achar que é conveniente vamos pedir pra pautar”, afirma.
Outro expoente da bancada, Gilberto Nascimento (PSC-SP)
corrobora o discurso. “É claro que estamos com uma pauta pesada, falta espaço.
Mas como evangélicos, defensores da família, para nós isso é cláusula pétrea”.
Sobre o melhor momento, afirma: “Não sei, não dá pra prever, o país está muito
conturbado.”
O colega Pastor Eurico (Patriota-PE) é mais enfático:
“Quando passar essa fase aí, nossas questões virão à tona. Vamos lutar, não
podemos abandonar nossas bandeiras”.
Um dos líderes do Republicanos (ex-PRB, sigla vinculada à
Igreja Universal do Reino de Deus), Celso Russomanno (SP), que não é
evangélico, ressalta que a pauta de costumes não é defendida só pelos
evangélicos, mas por uma forte bancada conservadora. “Em algum momento acho que
virá à tona, mas não dá pra prever quando.”
Exceção à regra neste momento, a questão das armas está
sendo analisada pelo Congresso, até porque se impôs em meio ao acordo que
barrou os decretos de Bolsonaro que flexibilizavam a posse e porte de armas.
O Congresso já aprovou a permissão de posse para todo o
perímetro de uma propriedade rural. Nas próximas semanas a Câmara deve tratar
do porte. A tendência é a de que amenize as propostas elaboradas pelo governo.
PAUTA DE COSTUMES NO CONGRESSO
Escola sem partido
O quê
Proposta prevê a “neutralidade” dos professores, vetando que
os docentes exponham sua opinião nas salas de aula e estimulem alunos à participação
política. O veto também vale para discussões sobre gênero e sexualidade
Em que pé está
Criada em 2016 e fonte de fortes embates até 2018, comissão
especial criada pela Câmara para discutir a proposta não teve nenhuma reunião
em 2019, nem há novas sessões marcadas
Estatuto da família
O quê
Projeto estabelece como núcleo familiar a união entre homem
e mulher
Em que pé está
Aprovado em comissão especial em 2015, está desde então
aguardando ser incluído na pauta de votações do plenário da Câmara
Restrições ao aborto
O quê
Inclusão na Constituição de texto que especifique que o
direito à vida se dá desde a concepção. O objetivo é endurecer a proibição ao
aborto (hoje permitido em caso de gravidez decorrente de estupro, que cause
risco à vida da mulher ou de feto anencéfalo)
Em que pé está
Senado desarquivou PEC nesse sentido em fevereiro, mas até o
momento tema não foi votado na Comissão de Constituição e Justiça, o primeiro
passo. Última tramitação do projeto ocorreu no início de maio. Câmara desarquivou
projetos semelhantes em fevereiro, mas nenhum deles prosperou até agora
Gênero
O quê
A bancada religiosa usa a expressão “ideologia de gênero”,
que não é reconhecida no mundo acadêmico e normalmente é usada para travar
discussões sobre diversidade sexual e identidade de gênero
Em que pé está
Bolsonaro disse ter encomendado ao Ministério da Educação um
projeto de lei a ser enviado ao Congresso contra a “ideologia de gênero”
*Fonte: Folha de S. Paulo