A morte não é coisa de Deus
DA REDAÇÃO POR CRIS BELONI
O que leva um cristão a dar cabo da própria vida? Cobranças,
depressão falta de fé? Eles não tinham Deus no
coração? Será mesmo?
Depressão só dá em quem está vivo. Todos estão sujeitos a passar por ela, não há quem esteja está livre. Pode ser pastor ou ovelha, rico ou pobre. Por que? Porque somos feitos de carne, ossos, dores e traumas. Somos feitos de quedas e lutas. De conquistas e perdas. E há horas que a dor vai além do suportável. Não porque se é fraco, mas, porque uma doença pode fazer a diferença. No fundo o suicida quer matar a dor (seja qual for) e não tirar a
vida. É um grito de silêncio que não se houve, mas as escrituras mostram que a morte não é coisa de Deus, pois Jesus venceu a morte por nós.
Segundo Gilson de Almeida Pinho, Teólogo, psicólogo e psicoteólogo, quando uma pessoa chega ao ponto de tirar a própria vida, é porque ela já perdeu completamente o sentido da sua vida, muito antes de cometer o ato tresloucado de dar fim à sua existência; ela já perdeu a esperança em relação a si mesma, em relação ao mundo e em relação ao futuro. Mais que isso, os suicidas são pessoas que não sabem lidar com perdas e com perdão, porque já passaram por perdas significativas na vida, e não souberam ou não tiveram condições de elaborar devidamente suas perdas. O curioso é que as palavras “perder e perdoar” vêm do mesmo termo latim perdonare, portanto quem não sabe perder não sabe perdoar, e quem não sabe perdoar não sabe perder. “O suicida não sabe lidar com perdas e nem com o perdão a si mesmo – veja os exemplos de Saul e de Judas Iscariotes, dois notórios suicidas. Saul perdeu tudo que poderia perder. Judas não conseguia ver perdão para seu ato de traição a Jesus”, justifica.
A depressão é como areia movediça em se afunda. Os depressivos
tentam lutar sozinho, mas, quanto mais luta, mais fica preso; mais afunda… A depressão é a doença mais julgada do mundo, apontada como defeito, fraqueza, relaxamento e ingratidão. A sociedade cobra perfeição, quer que todos sejam vitoriosos e tenham sucesso, enfim sejam felizes
o tempo todo. A pessoa nessa situação de depressão sofre em silêncio para não ser julgado. É esse silêncio que mata. A solidão. A dor de se sentir errado. Incompetente. Incompreendido. De não ter com quem contar. Não poder falar o que sente come a alma por dentro.
Pastores, presbíteros, cristãos em geral, deprimidos. O que isso mostra? Que é possível sim ficar deprimido sem ser fracos, sem ser ingratos a Deus ou à vida. Porque ninguém fica deprimido por opção; adoecer não é escolha.
Para Almeida, se o suicídio for visto como um pecado grave,
visto que é uma forma de homicídio (1Co 3.16-17; 1Tm 1.9; Ap 21.8), e para o qual não há perdão, pois a pessoa morrerá e não terá mais condições de arrependimento, como foi o caso de Judas Iscariotes, então pode-se dizer que o suicídio separa a pessoa definitivamente do amor de Deus, e condena o suicida à perdição eterna. O exemplo de Judas é questionável, pois ele já estava separado do amor de Deus muito antes de trair Jesus e de cometer suicídio. Se o suicídio for visto como consequência de uma doença (Is 35.8) e, mais que isso, como um ato de desespero ante ao sofrimento, onde a pessoa quer dar fim ao sofrimento e não à vida, então será que ela poderia realmente ser considerada um pecador imperdoável? Além disso, é importante considerar que raramente ocorre o que chamamos de morte instantânea, ou seja, a morte é um processo que pode demorar vários minutos e até mesmo dias, e até que a morte realmente ocorra não seria possível que a pessoa viesse a se arrepender e pedir perdão a Deus em sua mente (Sl 51.17; 2Co 7.10) em relação ao ato suicida? “Ainda é preciso considerar mais um fator: E quando a pessoa se mata ou assume um risco de morte visando uma boa causa? Por exemplo: ao derrubar o templo
de Gaza para matar os filisteus, Sansão não estava deliberadamente
cometendo suicídio? Leia Jz 16.26-30, em especial o v.28. Quando Jonas assume a culpa pelo furacão que se abateu sobre o navio e pede para ser lançado ao mar, isso não é uma forma de suicídio (ainda que ele não tenha morrido)? Quando visto dessa maneira, o suicídio não é visto como uma perdição final e talvez nem mesmo chegue a separa a pessoa do amor de
Deus”, considera o psicoteólogo.
O pastor e doutor em Teologia Leandro Tarrataca, lembra que “o Cristão é salvo pela graça e não por suas obras”. É fato que a tentação e luta de um cristão pode ser imensa, contra a carne, o mundo e o diabo. Algumas vezes o cristão não se apropria dos recursos que Deus nos dá, sejam recursos naturais, medicinais, sociais e espirituais. (1 Co 10:13). Apesar do suicídio ser pecado, não é um pecado imperdoável e nada nos separará do amor de Cristo. Certamente sofrerá prejuízos em suas recompensas eternas, mas não em sua salvação recebida pela graça do sacrifício de Jesus. O Cristão está selado com o Espírito Santo, esta é a garantia, o penhor de sua herança celestial (Efésios 1:13,14). Mas, fica meu apelo que um Cristão não ofenda ao seu Salvador com tamanho pecado, não deixe um rastro de dor, procure ajuda!
“A Igreja pode e deve ser um ambiente em que as pessoas possam
falar de suas dores, receber orações, orientações bíblicas sobre a mordomia da vida e o relacionamento com Cristo. Além
disso, a igreja pode orientar pessoas a procurar profissionais
comprometidos em ajudar aqueles que estão enlutados”, avalia.
O papel da família é de fundamental importância para diminuir
a tendência ou a intenção de suicídio, é o que propõe a Psicóloga Cognitivo Comportamental Maricy Lamounier. Para ela, o ideal é que exista atenção à pessoa. Que se chame para conversar em particular, que se pergunte o que está acontecendo, que demonstre real interesse em ouvir a resposta e que procure ouvir com atenção. E ao ouvir as respostas, jamais chamar as atitudes ou as emoções da pessoa como sendo “manha” ou “frescura” ou tratar com descaso.
No plano pessoal, Maricy não diferencia o cristão de outras religiões, pois segundo ela no meio de tantas instabilidades, as incertezas da flexibilidade, a ausência de confiança e compromisso com raízes profundas, a superficialidade do trabalho, a constante apreensão quanto ao futuro “emprego e desemprego”, interfere e influencia diretamente na forma de viver e se relacionar com o outro, consigo mesmo e com o mundo. Assim, a falta de compromisso, a fragmentação da vivência em diferentes espaços de atividades e de sociabilidade, o deslocamento do indivíduo por inúmeros
sistemas funcionais permite que, não se participe inteiramente de nenhum, não se dedique de “corpo e alma” a nenhum. Então sua identidade não se cristaliza… As pessoas se sentem não pertencentes, não completas e por vezes vazias.