Em 2020, a Reforma Protestante completa 503 anos. Mais do que simplesmente um movimento religioso iniciado por Martinho Lutero, um monge alemão insatisfeito com a prática comum da igreja apostólica de limitar o acesso às escrituras apenas ao clero, a Reforma teve impactos mais amplos como nas áreas sociais e na educação, por exemplo. A convite da Rádio Trans Mundial, pastores que apresentam programas na RTM falam sobre os impactos do movimento reformista percebidos até hoje em nossa sociedade e respondem à seguinte questão: é necessária uma nova Reforma?
Contribuições
Marcelo Santos é apresentador do programa “História da Igreja”, pastor da Igreja Batista da Graça, em São Paulo (SP), e uma das grandes autoridades quando o assunto é o contexto histórico do cristianismo. Ele ressalta alguns legados reformistas desde o âmbito individual até o campo coletivo (social). “O resgate da participação do leigo, da salvação pela graça e não por mérito humano (meritocracia), o resgate do livre acesso às escrituras sagradas (privilégio somente dos sacerdotes à época) são algumas contribuições. A Reforma trouxe o avanço e o desenvolvimento do mundo moderno tal como o conhecemos hoje. Elementos como a liberdade do indivíduo, a igualdade, o nacionalismo e a democracia. Aconteceram também mudanças nas leis, no casamento e na família. Ainda, o movimento missionário decorrente direta e indiretamente da Reforma Protestante”, disse.
Para Itamir Neves, pastor da Primeira Igreja Batista de Santo André (SP), apresentador de programas como “Através da Bíblia”, “Entendendo a Bíblia” e “A Palavra em Canções”, é importante destacar um dos símbolos da Reforma: os Cinco Solas. “Os cinco solas sintetizam os credos teológicos básicos dos reformadores, pilares que creram ser essenciais da vida e prática cristã. São eles: Sola scriptura, sola fide, sola gratia, solus Christus, soli Deo gloria: Somente a Escritura, Somente a fé, Somente a graça, Somente Cristo e Somente glória a Deus. Com foco na escritura, podemos dizer que as escrituras não contêm erros, embora tenham sido escritas por pessoas diferentes, em épocas diferentes e em línguas diferentes porque é Deus quem foi o seu autor”, avaliou.
Educação
João Paulo Gouvêa, apresentador do programa “Painel Literário” e pastor da Igreja Batista Chácara Flora, destaca que a área da educação foi onde a Reforma deixou marcas muito positivas. “Existem vários aspectos sociais que a gente pode elencar de benefícios que a Reforma trouxe, mas o mais relevante seja a educação, sobretudo, a educação teológica. Se a gente imaginar que trata-se de um tempo em que muitas pessoas são analfabetas ou semianalfabetas, partir para a educação teológica deveria passar por uma educação básica. Então, a revolução de buscar entender o texto bíblico de verdade, trouxe também a necessidade de uma educação formal bastante aprimorada. E isso realmente acontece. Naquela época aparecem, sobretudo pelas mãos dos protestantes e dos reformadores, as grandes universidades como Harvard, entre outras muito importantes. Como os reformados / evangélicos são, em geral, entusiastas da educação, as universidades e a educação básica tornaram-se muito importantes no contexto de formação de conhecimento e isso revoluciona a sociedade. A sociedade passa a ser impactada pelas universidades e as maiores e as mais antigas delas, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos, são de cunho religioso. Elas vieram a partir de denominações cristãs reformadas”, analisou.
Retorno às origens
Chegar à marca de 503 anos de Reforma exige ampla reflexão: ela foi um movimento já finalizado ou passa por constantes transformações? Há necessidade de uma nova Reforma?
Santos comenta que o objetivo sempre da Reforma é a volta às origens. “Reforma não é um ponto estagnado. Reforma é uma caminhada constante da Igreja Cristã. Reforma não é criar algo de novo, mas um retorno às origens. Foi esse o caminho que os reformadores fizeram. Eles retornaram para a Igreja Apostólica. Foram lá para o princípio para resgatar como era a Igreja lá no seu início, no seu nascedouro. Eles redescobriram os pais da Igreja, o estudo das escrituras, a preocupação com a exegese, com a restauração da Igreja, tentando dar a ela a sua identidade original. É disso que nós precisamos”, salientou.
Neves acredita que seja necessária uma nova Reforma. “Temos que admitir que, na verdade, tanto católicos como neopentecostais não consideram na prática a Bíblia como única e exclusiva regra de fé (embora os neopentecostais afirmem o contrário). Isto porque, para ambos os movimentos, a tradição bem como a experiência adquirida com o sagrado possuem um enorme peso na consolidação de suas doutrinas. Acredito fortemente que os conceitos pregados pelos reformadores precisam ser resgatados e proclamados para o povo de hoje. Sem dúvida, necessitamos desesperadamente de uma nova reforma porque, caso contrário, estaremos mergulhados novamente nas trevas daqueles dias de 1517”, disse.
Gouvêa aponta que, como fato histórico, a data merece ser lembrada. “Foi um fato histórico e importante. Importante falar que não foi Lutero quem fez a Reforma. Ela aconteceu durante muitos anos e com a participação de muitos teólogos. O primeiro expoente, claro, foi Lutero, mas ele não foi o reformador, mas um dos reformadores, ao lado de Calvino, Zuínglio, entre outros. A gente deve, sim, relembrar a data, frisar o movimento, mas não fazer dele uma instituição. Se não, a gente cai no mesmo erro: sempre tem um movimento libertário que vira uma instituição”, destacou.
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