Para facilitar a compreensão da matéria e preservar a identidade da pessoa envolvida no caso, nós vamos chamar de “A”, a personagem dessa matéria. Ela é uma mulher transgênero que no ano de 2018 mudou sua certidão de nascimento e passou a ser reconhecida judicialmente pelo gênero feminino. Foi a partir daí que A solicitou junto à Marinha do Brasil, o direito de receber a pensão vitalícia do pai, que era militar.
O benefício foi concedido pela Justiça em 7 de janeiro de 2021, o que tornou A, a primeira mulher trans a conseguir esse direito no Brasil. Com a decisão, a filha do militar falecido passará a receber a pensão vitalícia em condições de igualdade com suas duas irmãs solteiras. O caso foi defendido pelos advogados Hugo Lima e Paloma Albuquerque.
“Nós lutamos há muitos anos pelos direitos da população LGBTQI+, e sabemos como é difícil conseguir ver os direitos dessa comunidade atendidos quando uma legislação específica sobre o tema ainda é inexistente no nosso país. Ver a causa da nossa cliente ganhar após tantos meses lutando na Justiça é indescritível, pois sabemos que agora outras pessoas trans poderão lutar em pé de igualdade por seus direitos”, encoraja Paloma Albuquerque.
O pai de A morreu em 1979, quando ela tinha apenas 14 anos. Desde então, A passou a receber a pensão, que acabou sendo interrompida aos 21 anos, de acordo com a regulação estabelecida para filhos homens. Na época, ela ainda tinha registrado em seus documentos o gênero masculino. Em 2018, depois da mudança no registro, A fez o pedido administrativo junto à Marinha, mas ele foi negado pelo Serviço de Veteranos e Pensionistas da Marinha do Brasil com a justificativa de que ela não preenchia os “requisitos normativos”.
A nova decisão foi do juiz Ivan Lira de Carvalho, da 5ª Vara Federal do Rio Grande do Norte. Ele determina que a União que reconhece a alteração de gênero para tirar o benefício de alguém, também deve reconhecer a mudança na hora de conceder a pensão.
“O fundamento em que ambos os casos se lastreiam é um só: o gênero do beneficiário. E isso independentemente de a formalização de tal condição ter sido efetivada posteriormente ao óbito do instituidor do benefício”, traz um trecho da decisão.
O médico que acompanhou a transição da autora da ação desde a adolescência também foi ouvido no processo. Um dos argumentos decisivos apresentados pelos advogados do caso, foi o fato da autora da ação sempre ter se apresentado utilizando o gênero feminino, inclusive, se vestindo com roupas características do que se convém socialmente como femininas desde a infância.
“Os pais e irmãos da nossa cliente, bem como a sociedade, sempre a reconheceram e a aceitaram como uma pessoa do gênero feminino, então desde a infância ela já se apresentava como mulher”, argumenta o advogado Hugo Lima.
Jurisprudência em Direitos LGBTQI+
Apesar de vários dispositivos legais já terem sido alterados ou adequados, possibilitando o alcance de conquistas como o casamento homoafetivo, a adoção de crianças por casais homoafetivos, o uso de nome social por pessoas trans, a doação de sangue, e a criminalização da homofobia, ainda não há uma lei específica que ampare a comunidade LGBTQI+.
Apesar de vários dispositivos legais já terem sido alterados ou adequados, possibilitando o alcance de conquistas como o casamento homoafetivo, a adoção de crianças por casais homoafetivos, o uso de nome social por pessoas trans, a doação de sangue, e a criminalização da homofobia, ainda não há uma lei específica que ampare a comunidade LGBTQI+.
Decisões como esta da mulher trans potiguar que terá direito à pensão vitalícia do pai militar, assim como suas outras irmãs, facilita e abre caminho para que outras pessoas na mesma situação obtenham resultado semelhante. É o que em direito se chama de jurisprudência, a garantia de direitos com base em decisões judiciais anteriores.“Os direitos sociais alcançaram a união de pessoas do mesmo sexo; a Constituição Federal brasileira princípios o direito às dignidade de cada ser humano de orientar-se de modo livre e merecedor de igualitário respeito; a medicina possibilitou a alteração ou adequação do sexo humano; a sociedade passou a conviver com uma realidade diferenciada dos padrões de outrora, em que o sentir, a apresentação do ser humano para a sociedade, foi elevado a um patamar de importância até então incomum“, afirma a decisão do juiz Ivan Lira de Carvalho.
Folha:https://www.saibamais.jor.br