Mesmo ocupando cargos de poder, como no caso da magistratura, a mulher ainda sofre com a violência de gênero no ambiente de trabalho e tem grandes dificuldades para exercer e crescer na profissão. Essa foi a conclusão de duas pesquisas sobre a participação feminina no Poder Judiciário apresentadas na última quinta-feira (4/11) durante o Seminário de Pesquisas Empíricas Aplicadas a Políticas Judiciárias, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
A primeira pesquisa foi promovida pela Comissão de Estudos sobre a Participação Feminina na Justiça Federal da 1ª Região, entre julho e agosto de 2020, com magistradas, servidoras, ocupantes de cargo em comissão e funcionárias terceirizadas de todas as seções judiciarias e do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. No total, mais de 1.400 responderam aos questionamentos do estudo.
Já a segunda pesquisa, feita pela Escola Nacional de Formação e de Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho (Enamat), em 2019, contou com a participação de 758 respondentes, o que representa, aproximadamente, 43% do universo dos endereços eletrônicos das magistradas trabalhistas cadastrados na base de dados do CNJ.
O estudo do TRF-1 constatou que 50% das juízas já vivenciaram uma reação negativa por parte dos colegas por serem mulheres, e 55% alegaram já ter sofrido reações negativas por parte de outros profissionais por serem mulheres. “Chama a atenção o índice de incerteza de 15%, o que índica que esse número pode ser ainda maior. Isso mostra que este espaço de poder exercido pela mulher (magistratura), em vez de protegê-la da violência de gênero na verdade gera uma maior exposição a esses desconfortos no seu dia a dia profissional”, analisou a juíza do TRF-1 e coordenadora do estudo, Maria Cândida Almeida.
Os dados mostraram ainda que apesar de sofrerem a violência, poucas formalizam uma queixa perante o tribunal. Cerca de 90 afirmaram que não fizeram qualquer registro formal sobre a discriminação sofrida. “Parece que estamos naturalizando a violência”, alertou Adriene Domingues Costa, assessora de pesquisas da Enamat. “A condição de ser mulher impacta a vida profissional dos colaboradores do Poder Judiciário, principalmente no caso das magistradas”, completou.
Outro dado destacado na pesquisa do TRF é de que mais de 30% das magistradas não vê perspectiva de crescimento profissional. Elas têm dificuldade em se titularizar em uma vara pois isso envolveria mudar de cidade e, com isso, poderia haver uma ruptura da unidade familiar (78%), o não acompanhamento do parceiro (73%), e a distância da família (61%). “É uma questão cultural de o marido não querer acompanhar a mudança profissional da esposa”, completou Maria Cândida.
“A mulher que ousa conciliar todas as suas atribuições encontra escassez de tempo diante da multiplicidade de responsabilidades que lhes são delegadas”, afirmou a desembargadora do TRF-1 Teresa Asta Gemignani. “Importa falar de igualdade de gênero no Judiciário porque se tem obstáculos diferenciados para as mulheres então estamos falando do não cumprimento do princípio da igualdade”, reforçou a juíza Tânia Maria Augusta, representante da Comissão da Ajufe Mulheres.
Discriminação
A pesquisa da Enamat apresentou resultados similares quando o assunto é atitudes discriminatórias e agressões. Mais da metade das magistradas (53,2%) respondeu positivamente quanto a ter sofrido atitudes discriminatórias pela condição de mulher dentro o ambiente de trabalho. A violência psicológica aparece em torno de 25% das respostas, tendo por principais agentes discriminadores os magistrados e os advogados.
De acordo com o estudo, os agentes discriminadores diferem por faixa etária. As juízas com até 30 anos responderam que apenas magistrados e servidores são os agentes de violência psicológica, diferentemente daquelas com mais de 31 anos, que indicaram outras categorias, com maior preponderância dos advogados.
Os advogados aparecem em maior grau como agentes discriminadores das juízas titulares e substitutas comparativamente às desembargadoras, as quais apontaram os magistrados como principais atores de violência psicológica. Eles também aparecem em maior proporção como principais agentes agressores das magistradas com até cinco anos no cargo.
Com informações da assessoria do CNJ.