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05/12/2024

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As fake news e os riscos à saúde pública

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A Constituição Federal brasileira é expressa e garante o direito do cidadão de manifestar seu pensamento, sua opinião, haja vista que a liberdade de manifestação (em suas mais diversas formas) revela a plenitude de um Estado democrático de Direito, sendo relevante anotar que o texto constitucional veda categoricamente a censura.

A partir desse cenário, a liberdade de expressão assumiu especial relevância no campo das relações sociais e naquelas situações derivadas do espectro político-jurídico, inserida dentro de um saudável ambiente republicano.

Pois bem.

Atualmente, a proliferação de plataformas tecnológicas de comunicação transformou radicalmente as circunstâncias sociais pelas quais os cidadãos se comunicam e se relacionam.

Cuida-se de um fenômeno digital que, se por um lado impulsiona a liberdade de expressão e o acesso à informação a fomentar o livre fluxo de ideias na rede mundial de computadores, de outro protagoniza em nossa sociedade moderna a propagação indiscriminada de um comportamento inautêntico de distribuição artificial de conteúdo falso, as chamadas fake news.

Noutras palavras, consiste em uma divulgação de propaganda falsa e massificada por meio de contas digitais geridas especialmente por robôs — sabidamente (ou não) enganosas —, cujo objetivo principal procura legitimar um ponto de vista evidentemente inidôneo ou prejudicar uma pessoa ou um grupo, o que se observa geralmente em relação a figuras públicas.

Os prejuízos conferidos são dramáticos.

A exemplo disso, vale lembrar que em 2014 um caso emblemático de agressão coletiva (linchamento) iniciado por fake neᴡѕ causou a morte de uma dona de casa domiciliada na cidade do Guarujá por ter sido confundida ᴄom alguém que supostamente praticava rituais de magia negra envolvendo crianças. O boato foi gerado por uma página em uma rede social hospedada no Facebook. Entretanto, após a sua morte, restou comprovado na Justiça que a vítima não tinha nenhuma ligação ᴄom rituais dessa ordem.

Já na realidade atual, os casos mais graves, de repercussão nacional, são aqueles que tratam de uma sistemática, insistente e até mesmo ultrapassada disseminação de desinformação acerca da aplicação de tratamentos medicamentosos precoces no combate à Covid-19. O que se vê, inclusive, por intermédio de manifestações do próprio presidente da República. O que é notoriamente falso, posto que ausente qualquer base científica, e em nada contribui para o efetivo combate da pandemia.

Mas a pergunta é: por que as fake news viralizam?

Com efeito, as notícias falsas são disparadas na rede por robôs. Mas o alcance delas não tem a ver com esses programas maliciosos, e, sim, com o comportamento das pessoas, que não têm por hábito checar essas informações

O conteúdo dessas notícias inverídicas — notabilizado pelo sensacionalismo — acaba por repercutir de forma mais intensa e imediata no sentimento íntimo das pessoas.

Por isso mesmo, por cuidarem de notícias inusitadas, atraem de forma mais contundente o interesse do público-alvo, que, de forma açodada, acaba por compartilhá-las com terceiros.

Porém, é preciso ter presente que compartilhar informações falsas, fotos e vídeos manipulados e publicações duvidosas pode trazer riscos para a saúde pública, incentivar o preconceito e resultar em mortes, assim como — em tempos de pandemia — desaguar no recrudescimento de movimentos antivacinação, além do fomento de comportamentos de ódio, preconceito e de intolerância racial ou de discriminação em razão de orientação sexual, como a homofobia.

De tal sorte, a grande questão que se apresenta é como se compatibilizar a proteção à liberdade de pensamento, o impedimento da censura no ambiente online, os limites técnicos das redes sociais com a busca por maior transparência das práticas de moderação de conteúdos postados por terceiros em redes sociais (com a garantia do contraditório e da ampla defesa), com o combate às informações enganosas.

Para isso, a atual legislação já põe à disposição daqueles que se sentirem ofendidos (inclusive politicamente, se o caso) os mecanismos necessários para coibir o abuso ou vindicar qualquer reparação mediante acesso à prestação da tutela jurisdicional do Estado (processo judicial), de modo a fazer cessar a propagação falsa, combater e desestimular a manipulação da difusão de informações inverídicas nas redes sociais que contenham o espúrio potencial de dar causa a danos individuais ou coletivos.

Tudo a fim de garantir a vida privada e a ampla liberdade de expressão, comunicação e manifestação do pensamento, com respeito aos usuários da internet em sua livre formação de preferências sociais e políticas e de uma visão de mundo pessoal, com responsabilidade compartilhada pela preservação de uma esfera pública livre, plural, diversa e democrática.

O que não se confunde e nem deve ser confundido com censura, haja vista que é da tradição brasileira democrática a ocorrência de manifestações pacíficas (políticas ou não), nada justificando a intervenção do Estado para obstar tão importante direito constitucional.

E isso sem prejuízo do dever fundamental dos cidadãos de refrear o impulso de retransmitir, difundir ou divulgar fatos — sem a checagem prévia de sua absoluta veracidade junto a veículos de informação tradicionais e confiáveis —, norteados pelo dever de incredulidade das informações que são despejadas massifica e diariamente sobre suas mentes.

Adib Abdouni é advogado constitucionalista e criminalista e autor do livro “Fake News e os Limites da Liberdade de Expressão”.

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