Bispos no país revelam como tem sido o trabalho junto aos cristãos sírios durante uma década de conflito e crise
“Não se incomode, são apenas alguns dias e depois voltaremos para casa”. O bispo Demetrios Sharbak, líder da Igreja Ortodoxa Grega, em Safita e arredores, relembra o que ele e as pessoas pensaram quando a guerra na Síria começou, há 10 anos. Safita é uma vila na província de Tartus, na Síria que, no começo do século 21, era predominantemente cristã, com cerca de 95% da população pertencente a uma igreja. Agora, de acordo com parceiros locais, apenas metade da população é cristã.
Demetrios, de 50 anos, é bispo há cerca de 12 anos e parceiro da Portas Abertas há quase um ano e meio. Ele é responsável por igrejas de 23 vilas, localizadas ao redor de Safita. Em média, 13 mil famílias estão sob a autoridade dele. Isso inclui deslocados de outras cidades e vilas vizinhas. No total, 7,5 mil famílias estão envolvidas com a igreja.
Ele começou ajudando pessoas desabrigadas que chegaram a Safita de cidades muito afetadas pela guerra, como Homs e Alepo, com o pouco que a igreja tinha. Afinal, como todos os sírios, achou que a crise não duraria muito. Demetrios parou todas as atividades da igreja e focou no apoio às pessoas. “Nós não tínhamos trabalho de ajuda emergencial ou organizações para nos ajudar. Com recursos muito limitados, compramos para os deslocados colchões, travesseiros, cobertas, um kit pequeno de cozinha e comida enlatada, já que a maioria deixou suas casas apenas com a roupa do corpo. As pessoas diziam: ‘Não se incomodem, são apenas alguns dias e depois voltaremos para casa’. Como todos, eles estavam esperançosos de que isso passaria rapidamente.”
Apesar de difícil, o bispo também tem pensamentos positivos sobre o período. “Foi um tempo abençoado, quando sentamos com as pessoas e entramos em suas casas. Eu aprecio aquele tempo”.
A parceria com a Portas Abertas
O Centro de Esperança em Safita, na Síria, oferece atividades esportivas para as crianças, como tênis
Oito anos depois, o bispo Demetrios se tornou parceiro da Portas Abertas. “Com o seu apoio, demos início a ajuda alimentar, que é distribuída para 250 famílias todo mês. Depois, com a COVID-19 se espalhando amplamente pela Síria, acrescentamos sanitizantes, álcool, detergentes e sabão. A cada três meses, distribuímos remédios para 214 pessoas, principalmente para aquelas com doenças crônicas, como diabetes e pressão alta, que precisam de medicação contínua. Também começamos um programa para crianças chamado ‘Um sorriso de alegria’. Com ele, desejamos curar as emoções de crianças que cresceram em meio à guerra e destruição, ajudando-as a esquecerem dos mísseis e bombas, plantando esperança e alegria em suas vidas. Além disso, também focamos a energia delas em esportes, por meio de competições e atividades, como basquete, vôlei e tênis.”
A Igreja Grega Ortodoxa, liderada por Demetrios, é muito ativa. Ela participou de vários treinamentos para líderes, que juntos alcançaram 100 pessoas. “Nós estamos abertos para qualquer oportunidade de melhoria. Nosso povo precisa evoluir e apoiar a igreja. Infelizmente, a guerra nos deixou em capacidade mínima. Precisamos treinar novos líderes e é nisso que a Portas Abertas ajuda de uma maneira muito efetiva. Agora, temos conhecimento para ensinar e uma nova perspectiva de como lidar com os jovens modernos. Os líderes renovaram seu comprometimento com o trabalho pastoral e em conectar os membros a Deus”, explicou o bispo.
Os efeitos da guerra
Entre as consequências geradas por 10 anos de guerra na Síria estão mortes, destruição e fuga do país, principalmente entre os jovens
O bispo suspira ao falar sobre os efeitos da guerra. “A guerra é realmente terrível e causa apenas dor. Primeiro, ela não diferencia cor, gênero ou religião, só destrói tudo. Além disso, a guerra mata inocentes, pessoas imparciais que não lutam por nenhum dos lados. Nós perdemos a maioria da geração jovem, aqueles que podem reconstruir o país e a igreja; apenas os idosos ficam aqui. A guerra é cruel e também priva pessoas de suas emoções. É isso que testemunhamos hoje. As pessoas se tornam cada vez mais egoístas.”
Quando questionado sobre o impacto causado nele, o bispo faz uma longa pausa. “Antes de me tornar bispo, estudava teologia na Grécia. Meus amigos e eu visitamos um idoso e, no meio da conversa, pedi a ele que desejasse algo para nós. O homem olhou e disse: ‘Eu espero que você nunca tenha que passar pela guerra’. Eu o agradeci, mas no fundo pensei: ‘Que tipo de desejo é esse? A Síria está em paz e vivemos em harmonia’. Desde o início da guerra até agora, eu lembro do que aquele homem desejou para mim. Eu percebi o quão significativo era. Após dez anos de guerra, me sinto como se tivesse 100 anos. As preocupações e os fardos aumentaram. A igreja se tornou um refúgio para todo tipo de pessoa ferida. Agora estamos ocupados em prover as necessidades das pessoas, como comida, bebida, roupas e remédios. Isso é mais do que o papel espiritual que fazíamos antes.”
Ele acrescenta com tristeza sobre as perdas sofridas. “Apenas nesta área, 22 homens morreram servindo o exército e cerca de 14 universitários foram mortos devido a mísseis e bombas. Além disso, um alto percentual de jovens fugiu do país. Não ter a geração jovem nas igrejas afetará o futuro demográfico da área e impactará as taxas de casamento.”
Outro bispo local, Elias Tohme, líder da Arquidiocese Ortodoxa Romana no Vale Cristão, relembra algumas situações dolorosas que demonstram como esses dez anos foram excepcionalmente perigosos para ele. “Eu tive algumas experiências ruins na guerra que mudaram minha vida. Eu fui forçado a participar da troca de reféns. Tive que sentar com rebeldes e negociar a libertação de alguns rapazes cristãos sequestrados”, relata.
A realidade síria atual
Atualmente, a Síria enfrenta uma crise econômica que devasta o país, além da falta de diversos suprimentos necessários para a população
Ao abordar a situação dos cristãos sírios após dez anos de guerra, Demetrios disse: “A guerra na Síria ainda não acabou. No começo, havia armas e bombas, que fizeram sangue ser derramado e almas preciosas perdidas. Agora, a guerra mudou seu perfil, se transformando em uma crise econômica sem precedentes que está acabando com a vida das pessoas, devido à inflação. Sírios passam mais fome do que nunca. O número de pessoas necessitadas dobrou, se não triplicou. Tudo é caro, muito além do que os chefes de família costumam receber. A guerra hoje é mais cruel, envolvendo fome, dor, doença, pandemia, incêndios florestais. Tudo isso torna a vida insuportável. Que Deus possa resgatar os sírios”.
O bispo Demetrios deixa uma mensagem de apelo para o mundo: “Nós precisamos desesperadamente de ajuda. Se você deseja manter a existência de cristãos no Oriente Médio, agora é o momento de agir. Eu posso garantir que hoje, se qualquer país abrir as fronteiras para os sírios, a grande maioria partirá. Ficar aqui significa um custo muito alto a pagar. As pessoas estão cansadas de pagar o preço. Por isso, agradeço a vocês do fundo do meu coração. Vocês realmente estão espalhando esperança e ajudando pessoas a permanecerem em pé com tudo que dão a elas. Muito obrigado”.
Um dos projetos oferecidos em parceria com a Portas Abertas é uma fábrica de costura, que permite que cristãs sírias possuam uma fonte de renda
O conflito sírio levou muitas famílias à pobreza. Por conta da crise econômica, elas compram menos e comem menos. A Portas Abertas assiste famílias mensalmente para que tenham o mínimo para sobreviver. Com uma doação, você garante a sobrevivência de famílias que recebem cestas básicas nos Centros de Esperança por dois meses.
Baixe agora um infográfico completo sobre os números referentes aos 10 anos de guerra na Síria.