“Sentimento de realização como pai. Ele poderia ter feito tudo sozinho e eu teria perdido uma oportunidade de me fazer presente na vida dele”
O período em que Juno iniciou a retificação de seus documentos coincidiu com o período em que o pai decidiu mudar de cidade. Juno, que é trans, compreenderia se Aizamarch, seu pai, não pudesse sair de Campina Grande (PB) e ir para Recife (PE) para acompanhá-lo até o cartório, onde faria a mudança de nome. Porém, o pastor viajou até o outro Estado para se fazer presente no momento tão importante na vida do filho.
“Sentimento de realização como pai. Ele poderia ter feito tudo sozinho e eu teria perdido uma oportunidade de me fazer presente na vida dele”, disse o pastor Aizamarch. Juno se sentiu apoiado e realizado de ter o pai junto dele. “Pra mim foi muito importante, porque me senti apoiado, fortalecido. A segurança para me impor como Juno aumentou. Poderia ter feito tudo sozinho de alguma forma; muitos de nós fazem. Mas nossa solidão não é normal, não pode ser naturalizada”, conta Juno.
Juno se assumiu trans para a família entre dezembro de 2019 e janeiro de 2020. Antes, Júlia tinha se assumido como lésbica. Mas o fato de já ter “saído do armário” não tornou mais fácil o processo de se assumir uma pessoa trans, “por ter consciência do nível de violência e preconceito ainda direcionado às pessoas trans nas mais diversas esferas da vida”.
“Eu fiz o primeiro registro de nascimento como Júlia, porque era assim que eu o via. Não há erro nisso! Na alteração para Juno era como se eu estivesse dizendo que o aceitava como ele se via, e também não há erro nisso!”, acrescenta Aizamarch.
O medo e a insegurança fizeram com que Juno levasse dois anos para contar à família quem ele é de fato. “Liguei para ela questionando a mudança do nome do perfil numa rede social para ‘Juno’, se não era uma identificação com o gênero masculino. Meses depois ela me liga e diz que precisava falar comigo. Foi quando se identificou para mim pela primeira vez como Juno, uma pessoa trans não binária”, lembra o pai.
Aizamarch conta que sentiu uma grande tristeza ao ouvir isso pois era como se erguesse uma parede entre ele e o filho. “Essa parede era formada por todas as minhas convicções, conceitos e fé, senti como se estivesse de luto por Júlia. Mas disse ao meu filho: eu amo você”.
“Os pais precisam entender que amor não é posse! Deus não nos deu bonecos vazios para enchermos com nossas projeções e frustrações. Ele nos deu filhos (pessoas que terão suas personalidades) para cuidar deles, proteger do mal e criar um ambiente para que eles cresçam livres e dispostos a serem eles mesmos”, pondera Aizamarch.
Como pastor, Aizamarch sempre buscou acolher pessoas LGBTQ+ dentro da igreja. Hoje, enquanto pai de um filho trans, pretende “cooperar para a conscientização de que o acolhimento começa na família e que ninguém é espelho de adoração a Deus para que o outro só possa adorar a Deus se pensar como si mesmo, agir como si mesmo, ou só adorar se o outro se parecer com ele mesmo”.
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