Porta-voz do governo diz que mídia pode trabalhar na estrutura definida pelo Talibã
Londres – Um levantamento conjunto da Repórteres Sem Fronteiras (RSF) e da Associação de Jornalistas Independentes Afegãos (IAJA) mostra uma mudança radical no cenário da imprensa do Afeganistão desde que o Talibã assumiu o poder.
Ao todo, 231 veículos de comunicação fecharam no país, levando 6,4 mil jornalistas a perderam seus empregos desde 15 de agosto, quando as tropas do grupo extremista chegaram a Cabul.
As jornalistas foram as mais atingidas, com mais de quatro em cada cinco (84%) tendo deixado seus empregos. Muitas fugiram do país devido a ameaças, incluindo figuras proeminentes da mídia local como Farida Nekzad, editora de uma grande agência de notícias afegã que se refugiu no Catar
Violência contra a imprensa no Afeganistão começou antes da tomada de Cabul
Confrontado pela Repórteres sem Fronteiras com os resultados do levantamento, o porta-voz do governo, Zabihullah Mujahid, disse que o Emirado Islâmico do Afeganistão apoia “a liberdade para a mídia na estrutura definida para preservar os interesses superiores do país, com respeito à Sharia e ao Islã”.
No entanto, o que o trabalho mostra é que a liberdade dentro dessa estrutura está tendo efeitos devastadores.
Conflitos já vinham acontecendo nas semanas que antecederam a chegada do Talibã a Cabul, resultando em vítimas fatais e no fechamento de veículos de imprensa nas cidades tomadas pelo grupo extremista.
Em 2021, sete jornalistas foram mortos no Afeganistão, que divide com o México a posição de país mais fatal para a mídia este ano.
Um dos que perderam a vida foi o indiano Danish Siddiqui, alvejado em um fogo cruzado enquanto cobria uma batalha entre forças de segurança afegãs e militantes do Talibã no dia 16 de julho.
Siddiqui, de 41 anos, era um fotojornalista veterano e membro da equipe da Reuters que ganhou o Prêmio Pulitzer em 2018 por suas imagens da crise Rohingya em Mianmar. Ele chefiava a fotografia da agência na Índia, e viajara ao Afeganistão para uma reportagem antes da retirada das tropas americanas, marcada para 11 de setembro.
A Repórteres Sem Fronteiras tinha antecipado o agravamento da situação em seu índice de liberdade de imprensa publicado em abril, no qual o Afeganistão ocupava o 122º lugar entre 180 nações:
“A paz definitiva está longe de estar assegurada [no Afeganistão] e as garantias de liberdade de imprensa e proteção de jornalistas dos últimos 18 anos estão agora ameaçadas.”
Liberdade de imprensa no Afeganistão foi sufocada
A previsão se confirmou. Dias antes da tomada de Cabul, líderes do grupo se recusaram a assinar um compromisso de respeitar a liberdade de imprensa proposto pela Repórteres Sem Fronteiras.
Mesmo tendo prometido publicamente respeitar o jornalismo e proteger seus profissionais no Afeganistão, por trás das câmeras o Talibã foi gradativamente impondo restrições à mídia, além de estabelecer um ambiente de medo.
Canais de TV privados passaram a sofrer ameaças. Emissoras foram forçadas a suspender parte da programação por ordem dos radicais, sob a justificativa de que o conteúdo deve respeitar a Sharia, a lei islâmica.
No dia 29 de agosto, combatentes do Talibã fizeram uma aparição na TV nacional afegã, cercando o apresentador de um debate político enquanto ele lia um manifesto do grupo. O texto pedia que os telespectadores não os temessem e colaborassem com eles.
Desde a tomada do poder, jornalistas foram espancados ao cobrir protestos da população.
“Um dos talibãs colocou o pé na minha cabeça, espremeu meu rosto contra o concreto. Eles me chutaram na cabeça … Achei que eles iam me matar”, relatou o fotógrafo Nematullah Naqdi à Agência France Presse (AFP) em setembro.
Cinco semanas depois de assumir o país, o Talibã formalizou as regras para o jornalismo afegão, que foram recebidas com preocupação por entidades internacionais.
O regulamento é composto por 11 normas, incluindo a proibição de transmitir matérias contrárias ao Islã e a exigência de “ter cuidado” ao veicular informações não confirmadas por funcionários do governo.
Leia mais
Empregos perdidos na mídia afegã
O baque na atividade jornalística foi profundo. O levantamento da Repórteres Sem Fronteiras comparou a situação atual com uma pesquisa realizada antes da chegada do Talibã ao poder e concluiu que mais de quatro em cada dez veículos de comunicação desapareceram, eliminando os empregos de 60% dos jornalistas e funcionários das empresas jornalísticas.
Dos 543 veículos de imprensa no Afeganistão existentes em julho, apenas 312 ainda operavam no final de novembro – 43% deles desapareceram no espaço de pouco mais de três meses.
Fonte: https://mediatalks.uol.com.br