Jair Bolsonaro e Donald Trump se cumprimentaram durante
coletiva de imprensa na Casa Branca, em Washington. (Foto: Reuters-março 2019)
ESTADOS UNIDOS – O governo do presidente Donald Trump enviou
uma carta ao Brasil e a um grupo restrito de outros governos conservadores
pedindo que os países estabeleçam uma aliança na Assembleia Geral da ONU.
A meta é de vetar qualquer tentativa de aprovar resoluções
que tratem de ampliar direitos sexuais ou implementar educação sexual.
A Assembleia Geral da ONU começa na semana que vem e será
aberta pelo presidente Jair Bolsonaro. Além do Brasil, a carta também foi
enviada a governos ultraconservadores como a Arábia Saudita, Iraque e Egito.
O UOL obteve confirmação de que o texto enviado foi assinado
por Mike Pompeo, secretário de Estado norte-americano, e pelo Secretário de
Saúde dos EUA, Alex Azar. Nela, os americanos pedem que o Brasil se una a uma
declaração conjunta, a ser lançada em Nova Iorque, e com o objetivo de adotar
uma postura contrária a termos como “saúde sexual e reprodutiva”. A meta é
ainda a de garantir que “nossos valores compartilhados” prevaleçam no organismo
internacional.
O texto foi enviado em julho com vistas ao encontro agendado
pela ONU para debater assuntos de saúde, no dia 23 de setembro em Nova Iorque.
O assunto da cúpula é a garantia de cobertura universal de saúde como forma de
ampliar o bem-estar das populações.
Mas o que deveria ser um consenso internacional pode ruir
diante da criação de um bloco conservador disposto a vetar certos termos.
Diplomatas confirmaram à reportagem que essa é a primeira vez que uma
administração americana se envolve de forma tão profunda no debate na ONU sobre
gênero e direitos das mulheres.
Governos europeus e mesmo alguns latino-americanos rejeitam
a ideia americana de retirar termos como “saúde reprodutiva e sexual” do texto
em Nova Iorque. A UE insiste que tais termos, assim como educação sexual, foram
já aprovados em resoluções nas demais Assembleias Gerais da ONU e na OMS.
Desde a semana passada, diante do risco de um colapso nas
negociações, mediadores da Tailândia e Geórgia passaram a tentar aproximar as
posições, sem sucesso.
Carta – Na carta, os americanos solicitam que o governo “se junte aos Estados Unidos para garantir que cada estado soberano tenha a capacidade de determinar a melhor maneira de proteger o nascituro e defender a família como a unidade fundamental da sociedade vital para que as crianças prosperem e tenham uma vida saudável”.
Washington se diz “seriamente preocupada diante dos esforços
agressivos para reinterpretar os instrumentos internacionais para criar um novo
direito internacional ao aborto e para promover políticas internacionais que
enfraquecem a família têm avançado através de alguns fóruns das Nações Unidas”.
“Evidências disso são encontradas em referências em muitos documentos
multilaterais de política de saúde global para interpretar “educação sexual
abrangente” e “saúde sexual e reprodutiva” e “saúde e direitos sexuais e
reprodutivos” para diminuir o papel dos pais nas questões mais sensíveis e
pessoais orientadas à família”, afirmam.
A avaliação dos EUA é de que tais termos têm sido manipulado
para aprovar a “promoção do aborto”. A Casa Branca também denuncia a “pressão
sobre os países para que abandonem os princípios religiosos e as normas
culturais consagrados na lei que protegem a vida não nascida”. “Estas
abordagens minam o nosso compromisso comum com o desenvolvimento sustentável e
com a saúde para todos, não deixando ninguém para trás”, escreveram.
“Os esforços para fazer avançar essas políticas prejudiciais
em contextos multilaterais onde a política global de saúde é debatida e
definida, como as Nações Unidas e órgãos afiliados, como a Organização Mundial da
Saúde, são perturbadores e devem ser desafiados”, defendem.
“Eles tiram o foco de questões reais de saúde e importam
debates sobre políticas que devem ser tratados em nível nacional, subnacional
ou comunitário”, dizem.
“Além disso, estamos desapontados com o fato de o tom desses
debates ser cada vez mais divisório, diminuindo o foco nas prioridades globais
de saúde compartilhadas”, destacam.
Em maio, o governo brasileiro já havia se unido aos
americanos durante a Assembleia Mundial da Saúde na apresentação de uma
“declaração conjunta que conclama as nações a promover programas e iniciativas
positivas de saúde da mulher em linha com as metas de desenvolvimento
sustentável, mas declarando inequivocamente que termos e expressões ambíguas
causam confusão e estão associados a políticas anti-família e pró-aborto”.
No Conselho de Direitos Humanos da ONU, o Brasil também
passou a adotar uma postura contrária a qualquer referência aos termos de
direitos sexuais e reprodutivos, rejeitando ainda a referência à “igualdade de
gênero”.
Resposta – Procurado pelo UOL, o Itamaraty confirmou que recebeu a carta e indicou que os demais países que também foram consultados faziam parte de um grupo que, em maio, já havia atuado de maneira coordenada na OMS. “O Brasil considera prioritário o tema de cobertura universal de saúde e defende no âmbito internacional o acesso de todos a serviços de saúde de qualidade”, disse a chancelaria, por meio de uma nota.
“Recorde-se que, no país, a saúde é um direito garantido na
Constituição, e que o SUS é o maior sistema público gratuito e universal do
mundo”, destaca. “O Brasil tem atuado a favor do fortalecimento do papel da
família como importante pilar da saúde e nos termos da legislação brasileira
com relação ao tema do aborto – considerado ilícito, com exclusão de
punibilidade em três casos pontuais”, afirmou o Itamaraty.
“O país vê, portanto, com interesse a proposta de atuação
conjunta e avalia sua forma de atuação com relação ao tema no âmbito da Reunião
de Alto Nível”, indicou o governo.
“Na comunicação, o governo dos EUA convida o governo
brasileiro e outros países a somar-se aos esforços para assegurar a soberania
de cada Estado para definir a melhor maneira de proteger a vida e defender a
família. Ressalta-se a linguagem empregada em documentos multilaterais, que
poderia ser interpretada como estímulo à criação de um direito internacional ao
aborto e promover políticas internacionais de enfraquecimento da família. Cita,
igualmente, a interpretação ambígua a que se prestam expressões relacionadas
aos temas de saúde sexual e reprodutiva e de educação sexual”, explicou o
Itamaraty, citando o documento.
“A carta critica, ainda, o tratamento desses temas em meio à
discussão de políticas de saúde global, em particular da Organização Mundial da
Saúde, mas também em outros foros das Nações Unidas, em detrimento de questões
mais prioritárias na área da saúde”, disse. “Propõe aos governos afins atuar
conjuntamente no sentido de reafirmar sua posição crítica a expressões que
podem ser utilizadas de maneira não consensuada entre os Estados na área de
saúde durante a Sessão de Alto Nível sobre Cobertura Universal de Saúde”,
explica.
*Fonte: UOL