A cantora Priscilla Alcantara, estrela do gospel / Foto:
Divulgação
Letras que rimam Jesus, cruz e luz, em hinos pop de louvor
para convertidos, já não são a única realidade da música gospel no Brasil. Num
país em que os evangélicos chegam a 30% de população (um universo de mais de 62
milhões de almas) o gospel se recicla e busca ampliar seu público. Um grupo que
não para de crescer, como se viu no mês passado, quando a Marcha para Jesus
levou 3 milhões de pessoas às ruas de São Paulo, entre elas o presidente Jair
Bolsonaro.
PRETO NO BRANCO. Formado em Belo Horizonte em 2015, o grupo
que se define como “de black music, soul music e música cristã contemporânea” hoje
em dia é um duo formado por Clovis Pinho e Jean Michel. Seu grande sucesso é
“Ninguém explica Deus”, em gravação ao vivo com Gabriela Rocha, com mais de 33
milhões de execuções no Spotify e um vídeo com mais de 394 milhões de
visualizações no YouTube. Em março, lançou o álbum “Preto no Branco 3 (ao
vivo)”.
ISADORA POMPEO. A gaúcha de 20 anos surgiu no YouTube, com
covers de grandes nomes do gospel que chamaram a atenção até de Neymar. Hoje,
seu canal tem mais de 2 milhões de seguidores. Em 2017, lançou “Pra te contar
os meus segredos”. A canção “Minha morada” ultrapassou 10 milhões de audições
no Spotify.
GABRIELA ROCHA. Paulistana, 25 anos, foi revelada no
programa “Raul Gil”. Em 2018, estourou no YouTube com “Lugar secreto”, que tem
3,5 milhões de views e mais de 26 milhões de audições no Spotify. Há duas
semanas, lançou “Eu e o Rei”, já com mais de 2 milhões de views. Nas redes, tem
dez milhões de seguidores.
CASA WORSHIP. Fundado no ano passado na igreja Casa de
Goiânia, o grupo criado pelo pastor Davi Passamani (foto) teve um sucesso viral
com a música “A casa é sua”, que liderou por várias semanas o ranking da
playlist “As 50 virais do Brasil” do Spotify e foi a primeira música do
segmento cristão entre as 50 mais ouvidas do Deezer. O vídeo da canção no
YouTube passou dos 33 milhões de views. Seu único lançamento, até agora, é um
DVD ao vivo com nove faixas.
PRISCILLA ALCANTARA. Ex-apresentadora infantil no SBT (do
programa “Bom dia & cia”), a cantora tem um hit, “Me refez” (do álbum
“Gente”, do ano passado), que se tornou a primeira canção gospel brasileira a
entrar no Top 200 do Spotify Global.
TON CARFI. Paulista, ex-backing do Trazendo a Arca, se
lançou solo em 2006. De estilo romântico, seu hit, “Minha vez”, com o MC
Livinho, tem 7,6 milhões de execuções no Spotify e 45 milhões de views no
YouTube. Também fez música com Buchecha.
Longe da fé e perto dos números, trata-se de um mercado que
movimenta cerca de R$ 2 bilhões por ano segundo levantamento da Associação de
Empresas e Profissionais Evangélicos (Abrepe). E que virou alvo de atenção
extra por parte de gravadoras e plataformas de streaming. O Spotify, por
exemplo, reconhece que “o consumo de música gospel no streaming tem crescido de
maneira expressiva” e, por isso, “tem investido cada dia mais no gênero, tendo
agora uma equipe totalmente dedicada ao gospel”.
Por lá, playlists como “Sucessos gospel” e “Mulheres do
gospel” estão entre as mais populares do país. Na plataforma Deezer, o canal
gospel se tornou o segundo mais ouvido em 2017, perdendo apenas para o
sertanejo. As playlists de gospel são hoje as recordistas em engajamento dos
ouvintes: enquanto as de sertanejo têm uma média de 40 a 50 minutos de audição,
as de música cristã chegam a 1h10m.
Autor do livro “A indústria da música gospel”, o jornalista
Adailton Moura explica que a massificação do YouTube e das plataformas de
streaming foi o que mais impulsionou essa cena que se fortalecera com a venda
de CDs no começo dos anos 2000. Tudo isso, apoiado num público que, por razões
religiosas, pondera Adailton, rejeita o consumo de pirataria.
— Com a internet ficou mais fácil disseminar as músicas
gospel. Os evangélicos demoraram a abraçar o digital, mas agora estão começando
a enxergar um horizonte. Antes, ficaram muito na onda do CD, e a música acabou
se fechando na igreja — diz.
Sem rejeição – Para Lincoln Baena, diretor de gospel da
Deezer, a benção da revolução tecnológica foi dar a possibilidade a todos os
públicos de entrar em contato com a música gospel:
— O mercado da música se abriu para a canção cristã. Com
isso, muitos artistas estabelecidos do gospel conseguiram se reinventar. O
legal é que não houve rejeição de nenhum dos públicos.
Pelo que se vê da experiência de Priscilla Alcantara , não
houve mesmo. Filha de músicos líderes de louvor e ex-apresentadora infantil no
SBT (do programa “Bom dia & cia”), a cantora é um fenômeno que extrapolou o
nicho. Tem mais de 2,5 milhões de inscritos em seu canal do YouTube e um hit,
“Me refez” (do álbum “Gente”, do ano passado). A música tornou-se a primeira
canção gospel brasileira a entrar no Top 200 do Spotify Global — soma 10,5
milhões de reproduções.
Ligeiramente tatuada, Priscilla se apresentou este ano na
Virada Cultural, em São Paulo (com a amiga Bruna Marquezine assistindo a tudo,
no canto do palco). Também participou do programa de Fátima Bernardes, na TV
Globo. E agora sonha em cantar no festival Lollapalooza.
Ela aposta em mensagens de acolhimento, com papo reto (sua
palestra “Crente também é gente” tem 1,6 milhão de visualizações no YouTube).
Resultado: vem atraindo jovens de diversas orientações religiosas.
Consegui criar uma ponte de comunicação. É impressionante a
dificuldade que a música cristã tem de ser influente. Às vezes é o preconceito
que impede — diz a cantora, num intervalo de sua participação no evento Expo
Evangélica, que aconteceu no começo do mês, em Fortaleza. —Minha estratégia é
buscar o que todos temos em comum. Quem não quer paz e amor?
Departamento gospel – Além de aproveitar as possibilidades
abertas pelo mundo digital e investir em letras para além da pregação, a nova
canção gospel também mergulha numa maior variedade de estilos musicais. É o que
observa Tatiana Cantinho, gerente da área artística e de repertório da Som
Livre, primeira grande gravadora brasileira a criar um departamento gospel, em
2008 — antes, o mercado se restringia a selos evangélicos.
A gravadora hoje tem
seu foco nesse novo tipo de artista gospel, com uma sonoridade mais moderna e
capacidade de passear com a música secular — diz Tatiana, citando uma aposta da
Som Livre. — O Ton Carfi, por exemplo, traz uma influência grande da black
music.
Paulista de São José dos Campos, Carfi tem parcerias com os
funkeiros Buchecha e MC Livinho. Com um estilo próximo do r&b, ele tem mais
de 200 milhões de visualizações no YouTube e mantém a média de 500 mil ouvintes
mensais no Spotify.
Esses resultados em “milhões” têm sido uma constante para
outros jovens nomes da música gospel, como Isadora Pompeo, Eli Soares, Estêvão
Queiroga, Gabriela Rocha, Delino Marçal e o duo Preto no Branco. E estimulou
inclusive a atuação de coletivos de compositores e produtores — tendência que
vem de vertentes com sucessos estrondosos, como o sertanejo. É o caso da Casa
Worship.
As 50 virais do Brasil
Formada no ano passado na Igreja Casa de Goiânia pelos
pastores Davi e Giovanna Passamani, ela lançou em fevereiro a música “A casa é
sua”, que rapidamente viralizou no YouTube (hoje tem mais de 32 milhões de
views). A canção passou semanas liderando a playlist “As 50 virais do Brasil”
do Spotify e foi a primeira do segmento cristão a romper a barreira do ranking
das 50 mais ouvidas do Deezer.
Um detalhe ajuda a explicar o sucesso vertiginoso: além de
Davi e Giovanna, que já tinham seus hits no gospel, a Casa Worship (que está
sendo disputada pelas grandes gravadoras) conta ainda com Leo Brandão, um dos
autores de “Atrasadinha”, hit de Felipe Araújo e Ferrugem que foi a música mais
tocada do Brasil no fim de 2018.
— Foi uma surpresa até para nós mesmos — admite Felipe
Rodrigues, um dos integrantes do time de músicos, produtores e compositores
reunidos na Casa Worship. — Acho que tudo isso veio da união, cada um de nós já
tinha uma carreira solo, e sentamos juntos para compor nove músicas para um DVD
(ainda a ser lançado) . O nosso pastor tinha uma visão de levar a igreja para
quem não é crente.
Não à toa, a Casa Worship vem sendo considerada a promessa
do momento, ao lado de Priscilla Alcantara. Apesar de celebrada por seus
resultados, a cantora paulistana vê para si uma missão que vai bem além da
grandiosidade dos recordes.
— Não sou uma pessoa dos números. Tem pessoas que pensam
isso por mim, e melhor do que eu. O que quero é influenciar pessoas. Quando
consigo juntar essa influência aos números, melhor ainda — diz ela, que está preparando
um novo álbum.
Beyoncé como influência – Ao falar de inspirações, Priscilla
cita artistas pop que atingiram o mais amplo dos públicos, como Michael Jackson
e Beyoncé.
— Quero ter essa dedicação que eles tiveram. Cresci em uma
família musical, meu pai me dava CDs, não bonecas. Brincava era de ser cantora.
Diretor artístico de gospel da Sony Music — gravadora que
apostou em Priscilla e hoje deve 20% do seu faturamento líquido ao segmento —,
Maurício Soares é otimista em relação ao futuro do santo negócio no Brasil.
— É preciso que se entenda que o gospel tem uma riqueza
cultural, que ele hoje é consumido por milhões e milhões de pessoas. E, claro,
assim como os outros estilos, há os bons e os maus intérpretes.
Veja o vídeo: https://youtu.be/YnrN0o0lubM
*Fonte: O Globo