Após agir sobre Justiça e mídia, partido ultraconservador quer ampliar controle sobre sistema educacional, com objetivo de “despolitizar” a sala de aula. Críticos temem restrição à educação sexual e sobre direitos LGBTQ.Há seis anos, a direita polonesa, liderada pelo partido governista e nacional-conservador Lei e Justiça (PiS), tem impulsionado a reestruturação centralizada do Estado e da sociedade na Polônia. O Judiciário e a mídia já foram severamente afetados. Agora chegou a vez do sistema escolar.
Atualmente, as escolas, que são subordinadas à administração municipal e outros órgãos autônomos, ainda desfrutam de um grau relativamente grande de liberdade. Para o vice-primeiro-ministro Jaroslaw Kaczynski e seu PiS, o assunto era há muito uma pedra no sapato. Por isso, ele quer decretar o fim da autonomia no sistema educacional.
Parlamento muda lei da educação
Na última quinta-feira (13/01), o Parlamento polonês aprovou um projeto de lei que fortalece os poderes da autoridade central na supervisão escolar, em detrimento dos governos regionais. O texto prevê demissão sumária, após apenas uma advertência, para diretores de escolas que não implementem as decisões do governo central. As opções de controle do Ministério da Educação sobre escolas particulares e outras instituições de ensino também foram ampliadas.
Parte particularmente controversa da “Lex Czarnek” – como a lei é chamada, em referência ao ministro da Educação, Przemyslaw Czarnek – é o novo procedimento para cursos oferecidos por organizações não governamentais. Para obter a aprovação de um evento nas dependências de uma escola, uma ONG deve apresentar um conceito detalhado ao diretor da instituição de ensino, com pelo menos dois meses de antecedência. Aqui, também, a autoridade supervisora central tem a última palavra. Além disso, a objeção de um único aluno já é suficiente para impedir a realização do evento.
Possível banimento da educação sexual
Críticos da lei temem que, depois que ela entrar em vigor, não possam ser realizados mais eventos sobre tópicos pouco apreciados pelos governantes poloneses, como educação sexual ou temas ligados ao que os ultraconservadores poloneses chamam de “ideologia LGBTQ”.
Conflitos entre escolas e a autoridade supervisora já existiam antes. Na cidade da Cracóvia, por exemplo, uma representante do governo, Barbara Nowak, aconselhou os professores a não levarem suas turmas para assistir a uma apresentação teatral crítica ao governo em novembro do ano passado. Naquela época, sua recomendação não teve sucesso.
“Esta lei introduz o controle direto das escolas pelos políticos e abole o direito dos pais de educar seus filhos”, argumentou Krystyna Szumilas, parlamentar da liberal-conservadora Coalizão Cívica (KO, na sigla em polonês) durante o debate parlamentar sobre a lei na última quarta-feira. Szumilas, que é ex-ministra da Educação, alertou contra o perigo de as crianças serem educadas no sentido de se tornarem “escravizadas, subordinadas e vulneráveis à propaganda do partido no poder”.
Ministro quer “escola sem política”
“Eles politizaram as escolas, queremos despolitizá-las”, alega o ministro da Educação Czarnek, dirigindo-se à oposição. Para ele, os alunos precisam de um Estado forte. Ele argumenta que a autoridade supervisora educacional deve garantir que o conteúdo das aulas em todas as escolas seja “igual e não desmoralizante”.
O tema “Lex Czarnek” também dominou os talk shows do fim de semana. “Como pai, não posso imaginar que meus filhos participem de uma aula em que seriam sexualmente educados, independentemente de seu nível de desenvolvimento”, disse no domingo o vice-ministro da Educação, Tomasz Rzymkowski, à emissora TVN.
“Espero que o presidente Andrzej Duda seja razoável e vete a lei”, disse no domingo Joanna Scheuring-Wielgus, deputada do partido Nova Esquerda, na estação de Radio Zet. De fato, Duda é a última esperança da oposição de impedir a lei.
Formar futuros eleitores do PiS
A “Lex Czarnek” não é a única tentativa da direita polonesa de conciliar o currículo escolar com sua política de história e compreensão do patriotismo. Com o início do novo ano letivo, em setembro, a nova disciplina “História e Presente” deve substituir as atuais aulas sobre sociedade e Estado.
“Estamos prontos para reconquistar gerações de poloneses jovens e ignorantes das história”, declarou o ministro da Educação Czarnek em outubro passado.
O vice-presidente do Parlamento, Ryszard Terlecki, articulou ainda mais abertamente as expectativas de seu partido em relação aos programas escolares. Segundo o político do PiS, a escolaridade deve transformar os jovens poloneses em patriotas. “E sendo patriotas, eles votam no PiS.”
Críticas de historiadores
As diretrizes do programa para a nova disciplina escolar foram publicadas no final de dezembro. A comissão de historiadores da Academia Polonesa de Ciências se manifestou de forma bastante crítica sobre o documento, falando de uma “interpretação unilateral” de eventos e pessoas históricos, o que aumentaria o risco de “ideologização ou mesmo doutrinação” nas aulas.
O historiador Piotr Podemski, da Universidade de Varsóvia, criticou de forma ainda mais dura o conteúdo da nova disciplina. Na edição de fim de semana do jornal liberal de esquerda Gazeta Wyborcza, o cientista enfatizou que os autores das diretrizes desligaram os “freios ideológicos”, especialmente na representação do período pós-iluminista. No programa, vêm à tona, segundo ele, “todos os complexos de inferioridade poloneses em relação aos alemães e ao Ocidente e suas elites”.
“As aulas são projetadas para levar à crença de que alemães e russos são geneticamente maus e franceses e britânicos são imorais e medrosos, enquanto os poloneses são dotados do gene da nobreza e do heroísmo”, escreve Podemski.
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