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25/11/2024

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“A Igreja Ortodoxa russa está se transformando em uma organização terrorista”, diz teólogo ucraniano

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Diretor do Centro Libertas de Diálogo Inter-religioso e do Instituto Religião e Sociedade da Universidade Católica da Ucrânia, o teólogo Taras Dzyubanskyy presta consultoria sobre questões envolvendo a religião para a prefeitura de Lviv, uma das cidades ucranianas atingidas pelos mísseis russos. Nos últimos três anos, atuou como consultor do Presidente da Câmara de Comércio e Indústria de Lviv em questões sociais.

A Ucrânia sempre foi um país culturalmente rico: entre católicos ortodoxos ligados a Moscou ou independentes, católicos romanos, judeus e muçulmanos, o diálogo ecumênico segue um desafio e uma necessidade. Desde o início da guerra, contudo, as adversidades são outras. Se, de um lado, o presidente Vladimir Putin não esconde suas pretensões expansionistas, do outro, o patriarca Cirilo de Moscou atua como um aliado do Kremlin, ainda que milhares de ucranianos estejam sob seu domínio religioso. Em entrevista à Gazeta do Povo, Dzyubanskyy dividiu suas impressões acerca do futuro do diálogo religioso no país, bem como sua importância em tempos incertos.

Considerando os discursos do presidente Vladimir Putin e do patriarca Cirilo de Moscou, da Igreja Ortodoxa Russa, sabemos que a guerra no leste europeu possui uma raiz religiosa. O maior exemplo são as referências ao “destino espiritual em comum” da Ucrânia e da Rússia. Este argumento tem algum respaldo entre os ucranianos?

Em primeiro lugar, o que quer que Putin diga e afirme, deve ser seriamente examinado e questionado. Depois, em relação à religião e Putin, é claro que não há nada autenticamente religioso em suas aspirações. Quaisquer que sejam seus motivos, eles certamente não são motivados pela religião. Eles são definitivamente alimentados por sentimentos religiosos e homilias do clero ortodoxo que usa a religião – neste caso a Igreja Ortodoxa russa, mas também as comunidades muçulmanas – como uma ferramenta para o mal, como uma arma para o terror.

Para ele, confiar na igreja e nas religiões é mero instrumento para alcançar os objetivos. Cirilo, o patriarca militar, provou estar do lado do mal e do terror. A Igreja Ortodoxa russa dá todos os sinais de que está se transformando em uma organização terrorista, pior do que qualquer organização terrorista que eu já tenha visto. Imagens do clero russo abençoando os tanques, granadas e mísseis são um sinal de que não há nada sagrado para eles.

Conceitos como a santidade da vida humana ou a dignidade da pessoa criada à imagem e semelhança de Deus – que é o fundamento da antropologia cristã – não fazem sentido para eles. Eles simplesmente não se relacionam com esses conceitos e valores. Veja o que eles fizeram com outros seres humanos, com animais, com seu próprio povo. As imagens falam mais alto que as palavras aqui.

Estamos todos acostumados a pensar na religião e na cultura como ferramentas de “soft power”, com poder brando para influenciar o pensamento e o comportamento das pessoas. Para Putin, religião e cultura são vistas como força bruta, como armamento, tanques e mísseis. Acho que o Ocidente deve perceber que religião e cultura e não devem ser vistas como um elemento secundário. De apresentações de dança a desenhos animados, de animadores a líderes religiosos – devemos ter cuidado ao abordar quem, o quê e quando.

Quanto ao suposto “destino espiritual comum”, não há dúvida de que é pura fantasia, um desejo que Putin e Cirilo projetam em seus empreendimentos quase imperialistas. Não compartilhamos nenhum passado construtivo nem futuro com o estado terrorista e maligno. O passado que compartilhamos com eles estava cheio de repressões, mortes, genocídios e fomes. Não mais.

Há notícias de que as diferentes posições adotadas pelo Patriarca Cirilo de Moscou, a favor de Putin, e pelo Metropolita Onufryi, da Igreja Ortodoxa de Kiev, a favor da Ucrânia, poderiam criar uma divisão sem precedentes na Igreja Ortodoxa. Como isso afeta as relações religiosas na Ucrânia?

O futuro da Igreja Ortodoxa Russa é muito sombrio: na minha opinião, esta organização será dissolvida e qualquer um que se aliar a ela enfrentará consequências em um mundo civilizado.

Pode-se afirmar que há uma divisão, mas eu diria que isso seria um crescimento organizado dentro do cristianismo e uma conversão à sua verdadeira natureza. Declarar qualquer distanciamento e ruptura canônica com a igreja de Cirilo/Putin significaria finalmente reconhecer que precisamos nos livrar do tumor canceroso no corpo de Cristo, que é a Igreja. O corpo de Cristo está sangrando com o sangue de milhares de vítimas inocentes. Em uma de suas declarações recentes, o metropolita Epifaniy realmente comparou Cirilo ao anticristo. Cirilo é um patriarca militar, não um líder espiritual.

Por outro lado, percebo que os ucranianos que são ligados à Igreja Ortodoxa russa experimentam uma espécie de dissonância cognitiva ao verem sua igreja aprovando ataques aos próprios filhos, aos seus irmãos. Penso que, nesse sentido, o diálogo será um instrumento, mas não agora. Precisamos que a Igreja Ortodoxa russa seja reconhecida como agressora pelos fieis, e que eles lamentem de verdade pelo que está acontecendo. É preciso que suas ações sejam coerentes com suas palavras.

A religião é uma parte muito importante da identidade das pessoas e a experiência com o diálogo inter-religioso tem muito a contribuir trazendo à mesa valores de paz, mas também de justiça e perdão. A paz sem arrependimento, perdão, justiça e conversão não é realmente possível. Todos estes princípios terão seu espaço uma vez que os membros da Igreja Ortodoxa russa na Ucrânia tenham entendido isso.

No Ocidente, há cristãos conservadores que veem Putin como o “verdadeiro defensor” dos valores cristãos com coragem suficiente para opor ao progressismo que domina os Estados Unidos e a Europa. Qual é a sua visão sobre o assunto? É correto caracterizá-lo assim?

Embora a narrativa de defesa dos valores cristãos (e aqui também diríamos judeus, muçulmanos e de outras religiões) seja muito importante, legítima e necessária em nossas sociedades, a forma como isto é feito por Putin não é coerente com seu estilo de vida nem com sua ideologia. Veja bem, não é apenas a mensagem que conta, mas também o mensageiro. Que tipo de credibilidade ele tem? Com que autoridade e meios ele está defendendo e promovendo essa narrativa?

Portanto, minha resposta aos cristãos conservadores do Ocidente que tentam encobrir o autocrata escondido atrás da religião e da igreja é simples: parem de ser ingênuos. Considerando o que vimos na Síria, na Líbia e no Afeganistão, e agora o que estamos testemunhando na Ucrânia, este suposto “defensor dos valores” é, na verdade, puro mal.

A Ucrânia é um dos países que mais recebeu judeus nos últimos anos. Por outro lado, enfrenta um problema com grupos neonazistas como o Batalhão Azov. O antissemitismo é um desafio para o diálogo inter-religioso? 

À luz dos eventos recentes e nos últimos anos, ficou claro que por trás de qualquer instância antissemita e até islamofóbica na Ucrânia, os russos sempre desempenharam um papel instrumental. Em muitos casos, vimos líderes e pensadores judeus e islâmicos negarem que a Ucrânia é um país antissemita ou islamofóbico, a ponto de afirmarem que o nível de antissemitismo no país é um dos mais baixos da Europa! As alegações de que a Ucrânia é um país nazista são facilmente desmascaradas pelo simples fato de que mais de 70% de nossa população votou em um judeu – Volodymyr Zelenskyy – para se tornar presidente!

Quando à questão do antissemitismo: não existe receita, mas posso te dar alguns exemplos principalmente a partir da história da Igreja Católica e seu documento revolucionário Nostra Aetate sobre como os judeus devem ser tratados: com respeito e responsabilidade. A Igreja Católica é clara: não se pode ser seguidor de Cristo e ao mesmo tempo antissemita. O cristianismo tem suas raízes no judaísmo e faz parte de nossa identidade.

Por que o diálogo inter-religioso é importante durante uma guerra? Como o Centro Libertas contribui para esse diálogo, antes e durante o conflito?

Durante a guerra é difícil, senão impossível, falar de diálogo e promover o diálogo. Isso é óbvio: em meio às bombas e mísseis, a população está mais preocupada com sua vida e segurança. E, no entanto, o diálogo, neste contexto, assume todo outro significado: torna-se uma das formas de encontrar um raio de esperança e expressar a própria humanidade mesmo nas situações mais desumanas. Isso pode parecer paradoxal, mas, como cristão e católico, encontro força nas palavras da Bíblia: mesmo nos momentos mais sombrios, Deus não abandona seu povo.

Por muitos anos, tanto o Instituto de Religião e Sociedade quanto o Centro Libertas trabalharam para difundir o diálogo, tanto ecumênico quanto interreligioso. Estou muito confiante de que as sementes que plantamos estão sendo vistas em todos os esforços humanitários que vemos por parte de igrejas, paróquias e comunidades religiosas, que geralmente estão entre as primeiras instituições a responder às crises humanitárias fornecendo comida, abrigo, conforto espiritual e físico.

Recentemente vimos o Presidente da Câmara de Kiev apelar aos líderes religiosos para virem visitar a Ucrânia em sinal de solidariedade e apoio. Mais de vinte líderes religiosos e autoridades expressaram seu desejo de fazê-lo. Mas pense nesse gesto de um prefeito, uma autoridade laica, um ex-atleta! Tudo isso nos leva acreditar no poder da espiritualidade e da religião.

Além disso, recebemos muitos pedidos de outros centros, organizações e associações inter-religiosas. Ainda ontem fui contactado por alguns monges da Índia que gostariam de criar uma oração dedicada à Ucrânia.

Quanto às nossas atividades atuais, além de fornecer apoio e assistência humanitária, em breve lançaremos um programa de treinamento para voluntários e pessoas que trabalham com refugiados e deslocados internos, para desenvolvimento de habilidades e melhores práticas. Estamos em parceria com centros profissionais de todo o mundo, como o Centro João Paulo II para o Diálogo Inter-religioso em Roma. Além disso, estamos trabalhando em um programa de reabilitação inter-religiosa para as vítimas da guerra. Isso incluirá ajuda farmacológica, assistência física e espiritual, bem como práticas terapêuticas artísticas e teatrais.

Fonte : Gazeta do Povo


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